SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério Público de São Paulo fez uma proposta de restrição de direitos ao candidato a prefeito Guilherme Boulos (PSOL) em troca da suspensão de uma ação penal na qual ele é acusado de dano ao patrimônio público em um protesto no interior do estado. Coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Boulos é réu desde 2013 em São José dos Campos (a 97 km da capital) em processo que trata de manifestações ocorridas na ocasião da desocupação de uma área conhecida como Pinheirinho, onde moravam milhares de pessoas, em 2012. O candidato do PSOL chegou a ser detido naquele dia e foi agredido por agentes de segurança. A Promotoria agora propõe que a ação penal seja suspensa por um prazo fixado e, caso o réu cumpra uma série de condicionantes, a punição será extinta após um período que pode chegar a até quatro anos. Esse tipo de acordo é previsto em lei e é comum para acusações que envolvem crimes de penas menores. O delito de dano ao patrimônio público tem pena prevista de seis meses a três anos de detenção. A proposta assinada em fevereiro pela Promotoria estabelece que, neste período, o réu não poderia frequentar “locais onde seja vendida bebida alcoólica para consumo imediato” nem se ausentar da comarca por mais de 15 dias sem comunicar a Justiça. Ainda seria obrigado a comparecer bimestralmente ao juízo para informar suas atividades. O documento também prevê o pagamento da reparação ao patrimônio danificado na ocasião do protesto, sem especificar quais seriam os valores. Caso o político do PSOL rejeite a proposta, o processo continuaria com sua tramitação convencional. A audiência para apresentação da proposta de acordo de Boulos aconteceria em junho, mas, por causa da pandemia da Covid-19, foi adiada primeiramente para setembro e agora para março de 2021. A denúncia apresentada pela Promotoria, de apenas duas páginas, não afirma que Boulos agiu diretamente em depredação. Mas diz que ele incitou, ao falar em um megafone, a destruição de bens da prefeitura. O documento afirma que o alambrado de um centro poliesportivo municipal foi arrancado, vidros de uma guarita foram quebrados e 280 metros de gradis foram derrubados na ocasião. A Promotoria também escreveu que o réu estava “altamente exaltado” e “mentia dizendo que a Justiça havia voltado atrás” na decisão de reintegração de posse do terreno. Duas testemunhas elencadas são guardas municipais. Boulos nega que tenha cometido crime e critica a acusação. A reintegração de posse em São José dos Campos foi um dos momentos mais tensos na relação entre movimentos de moradia e a gestão do tucano Geraldo Alckmin, que governou São Paulo de 2001 a 2006 e de 2011 a 2018. Quase 2.000 policiais militares atuaram na operação, dezenas de pessoas ficaram feridas e confrontos se espalharam por bairros vizinhos. À época, até a então presidente Dilma Rousseff (PT) reclamou da ação da PM paulista. Terceiro colocado na corrida eleitoral em São Paulo em pesquisa do Datafolha -12%, empatado dentro do limite da margem de erro com Márcio França (PSB), que tem 8%-, o candidato do PSOL tem outra pendência judicial no estado em decorrência de sua atuação nos movimentos sociais. No início deste ano, ele foi denunciado em virtude da invasão por militantes do tríplex em Guarujá (SP), em 2018, imóvel que foi pivô da primeira condenação do ex-presidente Lula na Operação Lava Jato. A acusação é de danificar bens que estão em poder de terceiros por determinação judicial, crime com pena prevista de seis meses a dois anos. Boulos não esteve no apartamento na ocasião em que os militantes da Frente Povo Sem Medo, apoiadores do ex-presidente, invadiram o imóvel. Mas, segundo a acusação, organizou e articulou a ação dos integrantes do grupo, que resultou em danos ao tríplex. A acusação afirma que a entrada principal do apartamento foi quebrada e arrombada com um pé-de-cabra e que a porta de um dos banheiros foi amassada. Lula também foi denunciado neste caso, mas a juíza responsável já rejeitou a acusação em relação ao petista. Outras três pessoas foram denunciadas, incluindo o assessor de um deputado estadual petista. O caso tramita na Justiça Federal em Santos. No dia do ato, o psolista escreveu em rede social: “O tríplex no Guarujá foi ocupado pelo Povo Sem Medo. Se é do Lula, o povo pode ficar. Se não é, Sergio Moro precisa explicar por que ele está preso”. E acrescentou: “Quem vai pedir a reintegração de posse?” Também nesse caso, o Ministério Público ofereceu a possibilidade de um acordo, no qual o acusado teria que seguir exigências para evitar que a acusação fosse levada adiante. Em audiência no último dia 2 de setembro, porém, a defesa de Boulos rejeitou essa alternativa, e a acusação por ora permanecerá tramitando. Em outro caso, em 2019, o candidato foi absolvido em primeira instância em ação decorrente de queixa-crime apresentada pelo empresário Flávio Rocha, das lojas Riachuelo. Rocha acusou o político de calúnia e difamação por ter dito que a empresa tinha sido condenada por trabalho escravo. Recurso, porém, foi enviado à segunda instância. OUTRO LADO Procurado pela reportagem, Guilherme Boulos disse que “a proposta da Promotoria é absurda”. “Se depois de revirarem minha vida, tudo que encontraram contra mim foi estar junto com os sem-teto num dos despejos mais violentos da história, isso pra mim é motivo de orgulho. Se a acusação contra todos os candidatos fosse estar ao lado do povo contra um despejo injusto, a política brasileira estaria muito melhor”, disse ele, por meio de sua assessoria. Sobre o caso na Justiça Federal em Santos, afirmou: “Eu não participei da ação no Guarujá, que foi uma iniciativa legítima do movimento social pra denunciar a perseguição absurda a Lula que só serviu para eleger Jair Bolsonaro”. A defesa de Boulos afirma que rejeitou o acordo no caso do tríplex porque tem convicção de que ele será absolvido mais adiante.