SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Movimentações suspeitas em sites de apostas chamaram a atenção da Sportradar durante a derrota do Barretos para o Linense por 4 a 0, pela Série A-3 do Campeonato Paulista, no dia 18 de setembro. A empresa tem contrato com a FPF (Federação Paulista de Futebol) para monitorar o que ocorre nesses sites durante partidas das competições estaduais. O placar da goleada obtida pelo Linense foi construído com dois gols de pênalti e um contra, anotado no último minuto. De acordo com relatório elaborado pela Sportradar, o saldo de gols elástico já era esperado por apostadores. A Folha teve acesso ao documento, que serviu de base para que a FPF suspendesse de forma preventiva o Barretos e cinco de seus atletas por suspeitas de terem atuado com a intenção de manipular o resultado. O relatório, que também foi entregue para a Delegacia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva (Drade), diz que depois que a bola rolou em Barretos começaram a surgir apostas de que o time da casa seria derrotado por uma diferença mínima de quatro gols, o que contrariava as probabilidades iniciais. “Os padrões de aposta contrastavam com as expectativas lógicas e não havia nenhuma explicação legítima para os mesmos com base nos eventos que aconteciam no campo de jogo”, afirma o documento da Sportradar. “Desta forma, só é possível concluir que os apostadores tinham conhecimento prévio de que o Barretos perderia por, pelo menos, quatro gols.” O duelo marcou a retomada da Série A3 depois de seis meses da paralisação iniciada em março, por conta da pandemia de Covid-19. Quando entraram em campo, os dois times estavam separados por dois pontos. Em 11 rodadas, o Barretos havia somado 13 pontos, e o Linense, 15. Com base nas movimentações do site malaio Nova88, a Sportradar observou que o volume de apostas para derrota do Barretos por dois ou três gols cresceu logo nos primeiros minutos da partida, sem que houvesse uma razão aparente para isso. “Nenhum chute foi registrado durante os primeiros cinco minutos da partida para justificar tal comportamento de aposta”, diz o relatório. O Linense abriu o placar aos 22 minutos de jogo com Jayme e ampliou, aos 32, com Thiago, de pênalti. No segundo tempo, João, também em cobrança de pênalti, fez o terceiro. “Aos 87 minutos (3 x 0), a marcação do Barretos ficou passiva e sofreu um gol que foi anulado por impedimento. De fato, os defensores do Barretos mostraram-se passivos e desordenados, perdendo a posse de bola perto de sua área em várias ocasiões no final do jogo”, afirma o documento. Em um dos lances, não citado especificamente no relatório, um zagueiro dos donos da casa deu uma bicicleta em direção à própria área. A forma como o quarto gol do Linense foi construído também chamou a atenção dos analistas da Sportradar. “Perto do final, o goleiro Pedro deu passe curto [dentro da pequena área] para o companheiro Roberth, que perdeu a bola e quase sofreu o quarto gol, mas a bola saiu para escanteio. O escanteio foi cabeceado contra sua própria meta pelo mesmo jogador, Roberth, que fez o gol contra segundos antes do apito final.” A empresa ressaltou ainda que diferentes sites encerraram as apostas para a partida entre Barretos e Linense muito antes do apito final. Isso configuraria uma suspeita dos responsáveis por essas plataformas a respeito da partida, segundo o documento. Outros sites não mudaram as probabilidades (e, por consequência, o retorno financeiro) de o Barretos sofrer o quarto gol, mesmo com o jogo perto do fim. A empresa também considerou isso altamente suspeito. Com o relatório, o TJD-SP (Tribunal de Justiça Desportiva) decretou o afastamento do goleiro Pedro, dos atacantes Fabrício e Derik (ambos cometeram pênalti) e dos defensores Roberth (autor do gol contra) e Edson Rocha. Este último não é citado por participação em nenhum lance, mas, segundo a empresa, é suspeito de reincidir, já que teria participado de duas partidas em 2017 pela União Barbarense sob suspeitas de manipulação. Paralelamente às sanções administrativas aplicadas pela FPF, a Polícia Civil investiga se houve infração ao estatuto do torcedor e crimes de estelionato e associação criminosa. A vitória do Olímpia sobre o Paulista por 3 a 2, pela mesma competição, também chamou a atenção e está sob apuração. Barretos, Olímpia e Paulista foram suspensos preventivamente pela federação no dia 8 e não poderão inscrever atletas em novos torneios até que os casos sejam julgados pelo TJD-SP (Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo). Ainda não há data isso acontecer. O delegado César Saad, da Drade, que conduz o inquérito desde setembro, ouviu na última semana os depoimentos de atletas, membros de comissões técnicas, dirigentes e empresários. Todos os integrantes do Barretos citados negam qualquer participação em esquema de acerto de resultados. William Pereira Rogatto, que se identificou para os atletas como empresário de futebol, é suspeito de aliciamento no caso e teve seu telefone celular recolhido para perícia. O delegado aguarda autorização judicial para examinar o conteúdo do aparelho. Em depoimento à polícia, ele negou participação no esquema. O presidente do Barretos, Julio Eduardo Addad, reclama do comportamento da federação e do TJD-SP no caso. Ele afirma que o clube foi suspenso sem nenhuma prova e que teve grande dificuldade para ter acesso aos autos do processo. “Não tem gravação, não tem nada. Só tem o relatório de uma empresa dizendo [que há] suspeita”, disse. Também se queixa de que as imagens analisadas e a FPF não levam em consideração uma série de problemas enfrentados pelo Barretos e por seus atletas. “O jogo foi às 17h. Nós tivemos problema de vazamento de gás no alojamento e não foi possível dar almoço ao elenco na hora. Tivemos de encomendar marmitex e eles só almoçaram às 14h30. É muito em cima da hora”, declarou. Na sua visão, a partida não foi analisada pelos 90 minutos, apenas pelos lances considerados mais polêmicos. O primeiro gol, segundo ele, nasceu de um impedimento não marcado. O segundo, de um pênalti assinalado que não teria acontecido. O terceiro, de um pênalti cometido após mais um impedimento ignorado. “No quarto gol, o nosso jogador não cabeceou para o gol. A bola bateu no rosto dele. Ele me disse que se atrapalhou com a iluminação, e não é a primeira reclamação que temos quanto a isso. Mas [a FPF e TJD] só selecionaram alguns lances. Nosso goleiro, por exemplo, foi o melhor em campo. Fechou o gol”, completou. Presidente do TJD-SP, Antonio Olim afirmou apenas ter seguido um procedimento preventivo: “Ele [Addad] pode acreditar no que quiser. É uma investigação criminal agora. É com a polícia. Se não acharem nada, morreu o assunto. Ele pode reclamar o quanto quiser. [O pedido de inquérito] Veio para mim, eu confirmei. Não vou julgar ninguém”.