SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tudo vai bem na vida dos Kurihara. Mãe, pai e filho têm uma rotina confortável num bom condomínio de uma cidade japonesa. A paz, no entanto, é interrompida por uma ligação da escola do garoto -aparentemente, ele empurrou um coleguinha e seus familiares agora querem uma indenização. O pedido parece desproporcional e insignificante, mas mergulha Satoko Kurihara numa espiral de emoções e responsabilidades trazidas pela maternidade. O espectador é então lançado ao passado para descobrir que o pequeno Asato foi adotado. “Mães de Verdade”, da celebrada cineasta japonesa Naomi Kawase, começa ali sua longa e delicada reflexão sobre laços maternos, adoção e baixa fertilidade -um grave problema em seu país. Depois de ser exibido no Festival de Toronto, o longa chega ao Brasil como parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Com o peso do nome de sua diretora, “Mães de Verdade” promete ser um dos destaques desta edição do evento, assim como “Assunto de Família”, de Hirokazu Kore-eda, foi no ano retrasado. É possível encontrar ecos da obra de seu compatriota, que também se debruçou sobre o embate entre laços de sangue e os de criação, no trabalho de Kawase. “A mídia internacional, principalmente, diz que nós temos abordagens parecidas. Eu acho que isso é em parte por sermos japoneses, por vivermos numa mesma sociedade, e nós dois temos esse estilo de mostrar o que ninguém quer ver, o que está escondido”, diz a cineasta por videoconferência. “De forma resumida, eu acho que o meu projeto é parecido com o filme dele, sim. Mas o que nos difere é a conexão que construo entre as pessoas. Em ‘Mães de Verdade’, os personagens se ligam, fazendo com que o outro avance na história.” Satoko Kurihara se liga a Hikari Katakura, a mãe biológica de seu filho, que engravida aos 14 anos de um namorado da escola. Sem opção, ela procura uma ONG que ajuda casais com problemas de infertilidade a adotar bebês. A história vem de um best-seller escrito pela japonesa Mizuki Tsujimura, sem tradução para o português. Quem o apresentou a Kawase foi um amigo. Assim que o leu, a diretora diz ter se sentido parte da trama, já que ela própria foi criada por pais adotivos. Segundo ela, a adoção ainda é um grande tabu no Japão -se adotam, os casais tentam esconder o fato, pois há certo preconceito e até mesmo uma sensação de pena associados a crianças criadas por pais não biológicos. Com o filme, ela quer jogar luz sobre a questão. “O Japão, recentemente, tem enfrentado um grande problema de infertilidade, que tem preocupado a sociedade e gerado taxas de natalidade muito baixas”, explica. “O governo está tomando medidas em relação a isso, deixando tratamentos de infertilidade serem cobertos pelo nosso seguro de saúde nacional. Então existe um projeto para melhorar essa situação.” Mesmo não sendo uma história original, “Mães de Verdade” acabou incorporando tons autobiográficos em sua tradução para as telas. Kawase também alterou detalhes do livro que parecem secundários, mas são essenciais para a atmosfera de ordem e calmaria do longa. “Esse equilíbrio, a não existência de bem ou mal, é original, é coisa minha mesmo. No livro, na verdade, alguns personagens são bem ruins, mas eu não queria trazer isso para o filme, porque seria fácil cair num clichê”, afirma a japonesa. O grande embate que se desenvolve em “Mães de Verdade” acontece na esteira da ligação que Satoko Kurihara recebe. Pouco depois, o telefone volta a tocar -é a mãe biológica do pequeno Asato, depois de tantos anos. Mas nem isso é capaz de quebrar a serenidade da narrativa. Ela toda é centrada, afinal, numa figura que Kawase quer elevar e isentar de julgamento, não importam seus atos ou as escolhas feitas. “Mãe, na minha opinião, significa paz. As mães têm uma paz no coração que leva o mundo a ser um lugar mais pacífico. O amor de mãe nos dá vida e é o que nos leva a um futuro melhor”, resume a diretora. MÃES DE VERDADE Quando: em exibição na Mostra de Cinema de SP a partir desta quinta (22) Elenco: Hiromi Nagasaku, Aju Makita e Hiroko Nakajima Produção Japão, 2020 Direção: Naomi Kawase