SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Logo após a conquista do título da Copa Sul-Americana com o Independiente Del Valle (EQU), no fim do ano passado, o telefone de Miguel Ángel Ramírez não parou de tocar. Eram clubes e agentes, alguns deles brasileiros, fazendo sondagens e propostas ao treinador. O espanhol de 35 anos cogitou a possibilidade de deixar o Equador em busca de um novo desafio. Mas Roberto Olabe, principal influência de Ramírez na sua formação como técnico, ponderou que ele provavelmente não teria em outra equipe o que tinha no Del Valle. “Você está num clube que lhe dá estabilidade. Um lugar onde poderá acumular experiências e jogos. Vai trocar por um time que o mandará embora após três resultados negativos?”, disse Olabe, que conseguiu convencer o amigo a permanecer. Foi justamente uma sequência de três resultados negativos que derrubou Vanderlei Luxemburgo do Palmeiras, abrindo o caminho para que a diretoria fosse atrás de Miguel Ángel Ramírez para o comando da equipe. A viagem da comitiva alviverde ao Equador tinha como objetivo buscar o treinador. Se possível, para que já começasse a trabalhar nesta semana. Mas Ramírez mostrou ser um profissional que acredita em processos e não quis abrir de mão de encerrar o que começou no Independiente Del Valle, que disputa a Copa Libertadores. O espanhol gostou da proposta palmeirense e pediu tempo para que assumisse após o fim da campanha da equipe equatoriana na competição. O Palmeiras, na visão do próprio clube, não pode esperar. Para que o futebol pensado por Ramírez seja colocado em prática e atinja o nível de maturidade imaginado por ele, é preciso ter paciência, algo que o futebol brasileiro raramente está disposto a oferecer -nem aos estrangeiros, que ficam em média cinco meses e meio no comando de suas equipes, segundo levantamento da Folha de S.Paulo no início do ano. Ramírez chegou ao Independiente Del Valle em junho de 2018, após seis anos na Academia Aspire, do Qatar, um centro de excelência para formação de atletas. No país, foi assistente técnico de Roberto Olabe na seleção sub-19 do país e depois treinador da sub-17. Em termos de resultados, o próprio espanhol reconhece que fracassou. Não classificou a equipe nacional, por exemplo, à Copa da Ásia. Mas o período no Qatar lhe deu conhecimento para trabalhar com o desenvolvimento de jovens jogadores, além de mais ferramentas para comandar treinos e preparar jogos. Contratado para coordenar as categorias de base do Del Valle, Miguel Ángel Ramírez implementou conceitos do jogo de posição a todas as equipes formativas do clube. Em abril do ano passado, com a saída de Ismael Rescalvo para o Emelec (EQU), assumiu interinamente o time, em sua primeira experiência no futebol profissional. A diretoria equatoriana buscava outro técnico, mas Ramírez, que não comandava um treino havia mais de um ano, se adaptou rapidamente ao trabalho. Por já conhecer o clube, foi bancado no cargo, com a proposta de implementar na equipe de cima o jogo de posição que já estava mais consolidado na base. Sua ideia de futebol basicamente se resume ao espaço. Como gerá-lo, como ocupá-lo e, a partir da ocupação, como aproveitá-lo. O jogo de posição, muito discutido no Brasil com a chegada do catalão Domènec Torrent ao Flamengo, é uma ideia nova que está formando parte do nosso vocabulário e, como mostra o trabalho de Torrent no clube carioca, leva tempo para os jogadores assimilarem os conceitos. Quando Pep Guardiola, adepto do jogo posicional, chegou ao Bayern de Munique (ALE), em 2013, a novidade também foi introduzida no futebol alemão. O modelo consiste no respeito às posições de cada jogador. O que não significa ter um time estático. Os atletas devem se movimentar para dar opções de passe e gerar espaços, mas dentro dos seus setores. Isso dá ao jogador a referência de onde seus companheiros estarão, automatizando processos dentro de campo. Everton Ribeiro, do Flamengo, reconheceu dificuldade em absorver essa ideia. Com Jorge Jesus, os atacantes e os meias tinham mais liberdade para circular por dentro e procurar as combinações. É uma característica mais comum ao jogador brasileiro, de ir ao encontro da bola, ao invés de esperá-la. Na visão de Miguel Ángel Ramírez, essa espécie de anarquia descompacta uma equipe e deixa o jogo muito imprevisível. Ser protagonista a partir da posse da bola e da ocupação inteligente de espaços, enxerga ele, deixa o seu time mais próximo da vitória. “Ganhar com apenas dois toques, com o zagueiro mandando um chutão ao centroavante, isso sim é verdadeiramente difícil. Ganhar com apenas dois toques, de dois jogadores, é menos provável, muito menos provável do que com o jogo de posição, a menos que os dois jogadores sejam Maradona como zagueiro e Maradona como atacante. Se não, é muito difícil”, defende Juanma Lillo, considerado um dos principais teóricos do jogo de posição. Miguel Ángel Ramírez teve sucesso com essas ideias porque encontrou um clube preparado para implementá-las. Todas as equipes, da base ao profissional, tinham o desejo de protagonismo. O fato de ter introduzido conceitos do jogo de posição nas categorias inferiores encurtou o processo de aprendizado de muitos atletas quando chegaram ao time de cima. O amadurecimento da forma de jogar se deu por meio dos treinos. Pouco depois de assumir a equipe no ano passado, o espanhol ganhou a pausa da Copa América para levar vários de seus atletas a campo e reforçar situações de jogo. Mas treino é algo que o espanhol não teria no Brasil, com o calendário ainda mais apertado em razão da pandemia. A solução, no quadro atual, seria a utilização dos vídeos, também importantes no trabalho do técnico. Com recortes coletivos e individuais, Ramírez e seus assistentes alimentam os atletas do Independiente Del Valle com informações e os padrões que devem ser seguidos. Até por isso, para que ganhasse mais oportunidades de treino e planejasse a temporada seguinte, faz sentido o pedido feito por ele para assumir o trabalho apenas depois da Libertadores. Algo que pelo menos até agora o Palmeiras negou. Desejado por clubes brasileiros, Miguel Ángel Ramírez é uma consequência do respeito aos processos, do tempo para a implementação de um trabalho. E tempo, no futebol brasileiro, não há.