SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “O Brasil tem uma relação muito estranha com a aplicação de lei. Gostamos das leis que são poéticas, mas no momento em que começam a ser aplicadas, se atingirem interesses econômicos e políticos poderosos, de repente elas viram uma lei má, desatualizada, demodê, que precisa ser mudada”, afirmou nesta terça (20) o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin. A declaração foi dada durante o evento online Diálogos à frente da curva, promovido pela ONG Transparência Internacional em parceria com a Embaixada da Alemanha no Brasil, em resposta a uma questão sobre a atuação do Judiciário frente à desregulamentação das normas ambientais no Brasil. No último mês, uma reunião do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) presidida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aprovou um “revogaço” que tirou a proteção ambiental dos ecossistemas de mangues e restingas. A revogação favorece setores imobiliários e também o setor da carcinicultura nos manguezais. Em 2016, um relatório do ministro Herman Benjamin já havia baseado uma decisão do STJ confirmando a necessidade de manter a resolução do Conama de proteção de mangues e restingas. “Esse é um fenômeno brasileiro cultural. Não podemos aceitar que a lei seja apenas uma promessa vazia, etérea, que está aí nos livros simplesmente para não ser cumprida, ou então cumprida contra os adversários políticos, as minorias, os vulneráveis”, afirmou o ministro do STJ. Além do ministro do STJ, o debate, que abordou as conexões entre corrupção, clima e meio ambiente, contou com a presença da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos alemães Klaus Topfer, ex-diretor executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Ambiente), e Anna Cavazzini, deputada do parlamento europeu. A ex-ministra enquadrou a exploração ilegal de bens naturais públicos como uma forma de corrupção, já que eles são desviados para beneficio privado. “A gente fica muito assustado com o que se configurou chamar de ‘petrolão’, mas hoje no Brasil temos uma espécie de ‘florestão’, que é a grilagem de terras públicas e ainda a expectativa de que essas áreas sejam regularizadas em benefício dos criminosos que ocuparam esse bem público, causando prejuízos ambientais, econômicos e sociais ao patrimônio público brasileiro”, afirmou Marina Silva. Para ela, há relação direta entre a corrupção e a falta de cumprimento de compromissos internacionais, como o Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas. “Desmontamos quadrilhas de organizações criminosas que roubavam terras públicas e destruíam florestas, muitas vezes com a conivência de agentes públicos e de empresas privadas, e com isso colocamos 725 pessoas na cadeia, protegemos 25 milhões de hectares de áreas de floresta e poupamos a emissão de 4 bilhões e toneladas de gás carbônico”, disse. Anna Cavazzini, política alemã e membro do parlamento europeu pelo grupo Verde, afirmou ver dificuldade no diálogo com o atual governo brasileiro, mas que o boicote de produtos seria a última opção. Ela reafirmou que o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul pode ser desenhado de forma a incentivar boas práticas, mas o texto atual do acordo ainda representaria um incentivo a crimes ambientais e desmatamento. “Nós queremos proibir a entrada da madeira ilegal no mercado europeu. Entre hoje e amanhã, no parlamento europeu vamos votar o pedido de diligências no setor florestal para evitar o desmatamento associado a commodities de alto risco, como a soja e o óleo de palma”, afirmou. Ainda segundo Cavazzini, os europeus buscam evitar a corrupção importada em commodities ambientais. “Para o próximo ano, estamos discutindo uma proposta horizontal para obrigar as empresas no mercado europeu a garantir que toda a cadeia de fornecimento cumpra leis ambientais e de direitos humanos, o que inclui a boa governança e o combate à corrupção”, prevê a deputada. O ex-diretor executivo do programa da ONU para o Ambiente (Pnuma) e ex-ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Klaus Töpfer, pontuou a importância dos acordos internacionais para garantir que o aprimoramento das práticas de combate à corrupção e a crimes ambientais seja global. “Eu não gostaria que as empresas alemãs levassem para o Brasil as emissões [de poluentes] que são proibidas na Alemanha”, afirmou. “Seria muito importante se o Brasil pudesse voltar para essa família [dos acordos internacionais da ONU]”, concluiu. Töpfer também citou o aumento da transparência nas políticas públicas como instrumento de combate à corrupção. “Precisamos investir nas estruturas de informação para a sociedade, para as ONGs, todo mundo tem que ter a informação. As fake news e a corrupção são parte do mesmo sistema”.