SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A foto está no final do corredor esquerdo do Memorial das Conquistas, na Vila Belmiro. Com roupa de treino, Edinho segura Pelé no colo. Os dois estão sorridentes. O ex-goleiro não se lembra a data, mas pelo uniforme acredita que a imagem seja de 1992 ou 1993. A carreira em campo de Edson Cholby do Nascimento, 50, começou tarde e não foi longa. Durou nove anos, de 1991 a 1999. Parou aos 29 quando, na teoria, um goleiro está perto do auge. Mas para ele, o mundo da bola valeu mais do que vitórias ou defesas. Hoje em dia, Edinho percebe que o futebol salvou a relação com o pai, que completará 80 anos na sexta-feira (23). “Cresci em Nova York, criado pela minha mãe, um filho de pais divorciados. Havia rebeldia em mim. Eu pensava: quem fez a minha mãe chorar? Foi aquele cara [Pelé]. Então eu era rebelde”, relembra o atualmente treinador da equipe sub-23 do Santos. O futebol os uniu e também os afastou ao longo dos anos. Quando Pelé foi o astro da seleção brasileira na Copa de 1970, no México, o filho estava na barriga da mãe, Rosemeri. Kelly Cristina, 53, e Jennifer, 42, são as outras filhas desse relacionamento. Pelé também é pai dos gêmeos Joshua e Celeste, 24, nascidos da relação com a cantora gospel Assíria Lemos. Flávia Christina, 52, e Sandra Regina, morta em 2006, foram reconhecidas por ele como filhas mais tarde, esta última apenas após batalha judicial e comprovação da paternidade. A primeira lembrança de Edinho é brincar com o pai na casa da família no bairro da Ponta da Praia, em Santos, com um travesseiro em formato de bola. Uma cortina funcionava como trave, e a criança tentava defender os chutes do Rei do Futebol no gol imaginário. Eles se mudaram para os Estados Unidos em 1975, para Pelé esticar a carreira por mais três anos no New York Cosmos. O casal se divorciou em 1978, quando Edinho tinha oito anos. “Quando meus amigos perguntavam o que meu pai fazia, eu tinha vergonha de falar. Não tinha vergonha dele, mas de dizer que ele era jogador de futebol, um esporte que era visto como coisa de meninas [nos EUA]”, relembra. Apenas nos Estados Unidos da década de 1980 seria possível Edinho não ser conhecido por todos como filho de Pelé. “A verdade é que eu não tinha a dimensão do que ele representava. Meus pais se separaram e a gente não teve muito mais contato”, afirma. As conversas telefônicas eram esporádicas. Em 1986, aos 16 anos, o adolescente foi ao Brasil passar férias. O pai insistiu que visitasse a Vila Belmiro e fizesse alguns treinos com os juvenis, mas o filho era reticente em acatar. Um tio o levou para ver o treino dos profissionais, e aquilo o encantou. Quando o treinador perguntou em que posição jogava, ele não sabia o que dizer. “Goleiro” foi a resposta que saiu de supetão. Edinho voltou depois de pouco tempo aos EUA e foi jogar em um time comandado por brasileiros em Nova York. Soube anos depois que Pelé era informado toda semana sobre seu desempenho. Tudo mudou quando, aos 19 anos, ele chegou a Santos de vez e com o projeto de ser jogador de futebol profissional. “Foi uma uma aproximação instantânea entre nós, do dia para a noite. Comecei a perceber quem era meu pai e o que ele representava. Começou a me ligar todo dia, me perguntar o que eu havia feito, algo que nunca havia acontecido antes”, se recorda. “Eu era muito carente, como qualquer filho que sente a ausência do pai. Tinha vontade de agradá-lo e orgulhá-lo. À medida que ele começou a me dar atenção e se interessar pela minha vida, houve essa conexão entre nós”, completa. A proximidade não se deu apenas com palavras, mas com gestos. Pelé começou a ver pessoalmente quase todos os jogos do Santos na Vila Belmiro por causa do filho. Pediu sua convocação para a seleção brasileira durante a campanha da equipe que terminou com o vice no Campeonato Brasileiro de 1995. Os amigos ligavam para contar a Edinho que o pai parecia criança ao falar sobre ele. Pelé continuava um garoto-propaganda ocupado, com viagens ao redor do mundo, como sempre. A maturidade, o fim da rebeldia e a bola, segundo Edinho, o fizeram mudar a mentalidade. “Jogar futebol quebrou essa barreira. Tomei consciência de que tinha de lutar pela relação. Eu tinha de ceder em várias coisas. Isso me fez refletir muito e buscar entender meu pai, quem ele era e a realidade da vida dele. Foi o gatilho para a gente se reaproximar. Prometi a mim mesmo que ia conquistá-lo e virou algo de nós dois. Cada um ganhou do outro a parte que lhe faltava. E o futebol foi a razão de tudo isso”, diz. Mesmo nos piores momentos, Edinho afirma que o pai continuou tão próximo quanto possível. Já como ex-goleiro, em 2014, foi condenado a 33 anos de prisão por lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. A pena acabou reduzida para 12 anos e 11 meses. Em setembro do ano passado, ele, que nega ter cometido os crimes, recebeu progressão de pena para o regime aberto. Depois que saiu da prisão foi contratado pelo Santos para trabalhar nas categorias de base. Começou também a se divertir ao perceber que os papéis às vezes se invertem. O filho precisa assumir a figura de pai e dar broncas em Pelé, que não mostra boa vontade nas sessões de fisioterapia para resolver problemas causados por três cirurgias no quadril e uma lesão no joelho direito. Em fevereiro, ele disse que o pai estava com depressão e em seguida voltou atrás. Foi repreendido por Pelé, que não considera suas variações de humor e a tristeza causadas principalmente pelas condições de saúde e pela morte do irmão Zoca um quadro depressivo. Algo com que o filho hoje concorda. “Eu me alimento muito da história e da grandeza dele, mas ele se alimenta da minha juventude, do fato de eu ainda estar envolvido com o futebol. Tenho certeza que isso lhe agrada muito. É uma forma de continuar ligado ao futebol. É uma dinâmica que talvez tenha passado por mutação pela minha maturidade, mas que é muito intensa”, afirma. Edinho fica em silêncio por alguns segundos para responder quais as vantagens de ser filho do Rei do Futebol. “Não tenho resposta. É só o sentimento de orgulho. A melhor coisa de ser filho do Pelé é apenas ser filho do Pelé.”