SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 1987, uma tempestade inundou o ateliê de Willys de Castro. Estudos de obras, recortes de jornal, correspondências foram levados às pressas para o escritório de sua então galerista, Raquel Arnaud, onde acabaram ficando –o artista morreu um ano depois. Três anos mais tarde, a morte de outro artista representado, Sergio Camargo, fez o acervo de Arnaud crescer. A eles, se somaram outros: Amilcar de Castro, Mira Schendel, Sérvulo Esmeraldo e mais. Foi assim que, dez anos depois daquela chuva fatídica, Arnaud fundou o Instituto de Arte Contemporânea, o IAC, dedicado à guarda, catalogação e difusão dos arquivos pessoais que guarda. O instituto pretendia inaugurar uma sede própria em março deste ano. Mas a abertura teve que ser adiada por causa do coronavírus, e o prédio na avenida Dr. Arnaldo, ainda em reformas, acabou fechado ao público por meses. O IAC só abriu, assim, na semana passada, quando o governo paulista permitiu a volta dos espaços culturais. Antes disso, ele passou por três endereços entre 2003 e 2019 –uma casa alugada nos Jardins; um prédio na rua Maria Antônia cedido pela Universidade de São Paulo, a USP; e um conjunto de três salas no Centro Universitário Belas Artes. O penúltimo causou uma rusga entre Arnaud e a USP. A galerista afirma ter angariado pessoalmente os R$ 5 milhões necessários para as reformas do prédio. Mas o IAC só ficou lá de 2006 a 2011, quando foi despejado por uma nova reitoria. “Doei um prédio novinho para a USP. Imagina a decepção”, diz Arnaud. Em nota, a universidade afirma que o contrato firmado com o instituto não a impedia de reaver o espaço, onde hoje funciona o Centro Universitário Maria Antônia. Já o prédio atual do instituto foi comprado por Arnaud no ano passado, por R$ 4 milhões, e reformado pelo arquiteto Felippe Crescenti. Será cedido ao instituto em comodato por 30 anos. Arnaud, aliás, faz questão de separar seu nome da fundação, embora hoje o presida. No início da trajetória do IAC, ela foi acusada de usá-lo para valorizar artistas que representava. “A galeria de arte continua, é meu ganha-pão. Mas o IAC é uma instituição sem fins lucrativos”, afirma. A nova sede tem não só uma área total maior do que aquela dos tempos da USP, de 900 m² contra 600 m², como abriga café, livraria e auditório, que servem de fontes de receita alternativas –eles também passaram a oferecer cursos à distância durante a pandemia. Tudo isso ao lado de um corredor cultural que inclui Instituto Moreira Salles e Masp, e a cinco minutos do metrô da Paulista. Arnaud afirma que a facilidade de acesso foi um dos principais fatores na sua busca por um edifício. “No Belas Artes, às vezes, os jornalistas não iam lá por estar muito longe”, diz. O prédio ainda dobra o espaço para o acervo da organização, hoje composto por 42 mil documentos de 13 artistas –cinco deles, Carmela Gross, Antonio Dias, Ivan Serpa, Rubem Ludolf e o arquiteto Jorge Wilheim, chegaram nos últimos dois anos. Questionada se mais artistas têm oferecido seus arquivos para a organização, Arnaud não revela nomes. Mas acrescenta: “com esse cartão de visitas, quem não quer vir para cá?”. Os arquivos estão guardados em uma das duas reservas técnicas do local. A outra, vazia por enquanto, é ocupada por uma escultura inédita de Iole de Freitas que serve de suporte para um filme super 8. É um dos três espaços não-expositivos a exibirem obras –além dele, a garagem mostra uma obra de Sérvulo Esmeraldo, e as escadas foram pintadas de dourado por Carmela Gross. Completam a mostra de abertura serigrafias e a reprodução de uma pintura de Rubem Ludolf, um projeto jamais realizado de Wilheim para um boulevard na rua Augusta, e cartas de Nise da Silveira. Por fim, os visitantes poderão ativar duas propostas de Antonio Dias, morto no ano passado –o artista também é alvo de uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna, o MAM. Organizadora da exposição com Ricardo Resende, a diretora técnica do IAC, Marilúcia Bottallo, diz que a proposta dele é mostrar o acervo como algo vivo. “Não guardamos esses itens por curiosidade, ou por valor sentimental. Eles têm uma função clara, que é ajudar a decifrar a produção individual desses artistas.” LUZES DA MEMÓRIA Quando: Ter. a dom.: 11h às 17h. Até 20/12 Onde: IAC – av. Dr. Arnaldo, 126, Consolação, região central, tel. (11) 3129-4898 Preço: Grátis (é necessário agendamento via sympla.com.br)