SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem caminha pela alameda Lorena talvez não imagine que algumas das construções que hoje abrigam cafés, restaurantes e outros pontos comerciais nesta rua dos Jardins, em São Paulo, um dia foram casas muito importantes para a arquitetura brasileira. Um conjunto de 17 delas na esquina da Lorena com a alameda Ministro Rocha Azevedo -projetadas pelo artista, performer e arquiteto Flávio de Carvalho- foi inaugurado em 1938 como símbolo da moradia moderna. Disponíveis para aluguel, as construções vinham até com manual de instruções. Carvalho sugeria, por exemplo, que os móveis ocupassem pouco espaço, já que dessa forma “são mais estéticos, confortáveis e higiênicos”. Com o passar das décadas, algumas das casas foram destruídas e outras, modificadas radicalmente, a ponto de a maioria ficar quase irreconhecível em relação ao projeto original. Além disso, não houve interesse do poder público em tombar as construções. O Conpresp, órgão municipal de preservação do patrimônio, justificou a negativa em 2018 afirmando que as casinhas já estavam muito alteradas. Uma das poucas casas remanescentes em estado muito próximo ao do original vai agora ganhar um novo destino -será uma galeria de arte. Há alguns meses, os sócios da galeria Bergamin & Gomide, especializada em arte brasileira da segunda metade do século 20, alugaram um desses imóveis, de cerca de 150 metros quadrados, que será reformado para abrir em fevereiro de 2021 como um segundo espaço expositivo da casa -o primeiro fica a poucas quadras dali, na rua Oscar Freire. A casa de dois andares será reformada de acordo com o projeto original, que tem seus arquivos guardados na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, conta Thiago Gomide, um dos sócios da galeria. “O ultimo usuário era uma loja de chocolates, que encheu de fios, portas, armários. A gente vai dar uma limpada e pôr a casa no osso, do jeito que o Flávio construiu.” Silvio Oksman, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto, afirma que as intervenções serão muito delicadas, só para dar condições de a galeria ocupar o espaço. “São obras de arte que vão ser instaladas dentro uma obra de arte”, diz. O outro arquiteto envolvido é José Armênio de Brito Cruz, que também participou da renovação da casa do modernista Rino Levi ocupada pela galeria Luciana Brito desde 2016, na avenida Nove de Julho. A vila modernista de Flávio de Carvalho na Lorena já conta atualmente com outra galeria de arte –a Sé, que se mudou para lá em outubro do ano passado, depois de sair de um imóvel de 1890 na região central onde esteve por sete anos. Fazendo a conta, a partir de fevereiro serão três as casas de arquitetos importantes para a escola paulista tomadas por estabelecimentos do tipo nos últimos quatro anos. Segundo Gomide, esse é um movimento de recuperação de “uma bela arquitetura que já existe”, renovando imóveis históricos que estão em péssimo estado. Ele diz que há casas no bairro do Pacaembu que também poderiam ser reformadas. Fora daqui, ele dá como exemplo uma igreja brutalista em Berlim renovada e ocupada pela galeria König. “É o setor privado cuidando de algo que talvez devesse ser papel do setor público.” Oksman, contudo, afirma não ver nesse movimento em São Paulo uma tendência, e sim o olhar sensível de algumas pessoas para uma arquitetura moderna que tem um valor a ser preservado. Tendência seria se a sociedade como um todo se mobilizasse e passasse a cuidar melhor de imóveis com importância histórica, sem depender de tombamentos determinados pelo estado, acrescenta. Discussões arquitetônicas à parte, a nova casa da Bergamin & Gomide estreará com uma retrospectiva do escultor José Resende, abrangendo obras da década de 1970 até hoje. Este espaço vai fazer com que a galeria dobre seu programa expositivo anual, passando de cinco mostras para dez, segundo Gomide. A ideia é mostrar com mais frequência os artistas representados por eles, dentre os quais os recém-anunciados Pedro Caetano -pintura, instalação e performance- e Thomaz Rosa -pintura.