LA PAZ, BOLÍVIA (FOLHAPRESS) – Após horas de atraso, o mais confiável instituto de pesquisa da Bolívia, o Ciesmori, publicou à 0h desta segunda-feira (19), no horário local (1h em Brasília), o resultado de sua pesquisa de boca de urna. O levantamento indica vitória em primeiro turno do candidato do MAS (Movimento ao Socialismo), Luis Arce, com 52,4% dos votos, contra 31,5%, de Carlos Mesa. Na Bolívia, para ser eleito no primeiro turno, é preciso ter 50% mais um voto, ou alcançar 40% dos votos e ter dez pontos percentuais de diferença para o segundo colocado. De acordo com o instituto, o atraso ocorreu porque, no prazo combinado para a divulgação da sondagem, 20h deste domingo (18), a amostragem obtida não representava 95% dos votos válidos muitos preferiram não revelar o voto. Com as horas a mais, segundo o Ciesmori, foi possível concluir o processo. A pesquisa boca de urna não representa o resultado final, e os dados oficiais da eleição precisam ser chancelados pelo tribunal eleitoral, o que está previsto para acontecer nos próximos dias. Outra pesquisa, da Fundação Jubileo, aponta vantagem ainda maior de Arce, que teria obtido 53%, contra 30,8% de Mesa. O ultradireitista Luis Fernando Camacho aparece em terceiro lugar, com 14,1%. Logo após o anúncio, ouviu-se o barulho de rojões e buzinaços em La Paz. Nas redes sociais, Arce, aliado do ex-presidente Evo Morales, também comemorou o resultado não oficial. “Muito grato pelo apoio e pela confiança do povo boliviano. Recuperamos a democracia e recuperaremos a estabilidade e a paz social. Unidos, com dignidade e soberania”, escreveu. Arce, 57, entrou na política em 2006, quando foi nomeado por Evo como ministro da Economia e Finanças. Antes disso, atuou por 18 anos em cargos técnicos no Banco Central boliviano. Filho de professores, estudou economia na Bolívia e fez um mestrado na Universidade de Warwick, no Reino Unido. Depois, seguiu os passos dos pais e passou a lecionar na Universidade Franz Tamayo, além de ter sido professor convidado na Universidade de Buenos Aires, na Argentina, e em Harvard e Columbia, nos EUA. Durante a campanha, Arce levantou a bandeira do boom econômico que a Bolívia viveu durante o governo Evo, quando o índice de pobreza caiu de 59,9% para 34,6%, de acordo com dados do Banco Mundial. Como ministro, Arce também esteve à frente dos processos de nacionalização da exploração de petróleo e gás natural, os maiores responsáveis pelo crescimento do PIB boliviano de US$ 11,45 bilhões (R$ 64,22 bi), em 2006, para US$ 40,89 bilhões (R$ 229,17 bi), em 2019 Para Evo, os indícios de que Arce foi eleito significam que “a vontade do povo foi imposta” em uma vitória contundente do MAS. “Nosso movimento político terá maioria nas duas casas. Agora vamos devolver dignidade e liberdade ao povo”, disse o ex-presidente, para quem o atraso na divulgação da pesquisa de boca de urna era uma tentativa de esconder a vitória de seu partido. “O grande triunfo do povo é histórico, inédito e único no mundo: um ano após o golpe, reconquistamos democraticamente o poder político com consciência e paciência do povo”, escreveu o líder indígena. A vitória de Arce, se confirmada oficialmente, pode reforçar a imagem do ex-presidente, que deve voltar à Bolívia. Após ser forçado a renunciar no ano passado, depois de 14 anos no poder, o líder indígena esteve exilado no México e vive na Argentina desde dezembro sob status de refugiado. Jeanine Añez, presidente interina da Bolívia, reconheceu a vitória de Arce ainda no primeiro turno da eleição. “Parabenizo os vencedores e peço que governem pensando na Bolívia e na democracia.” Há pouco mais de um mês, Añez desistiu da corrida presidencial. Na ocasião, disse que renunciava à candidatura para evitar que o partido de Evo acabasse ganhando. Já a Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu aos cidadãos e a todos os atores políticos que “esperem com paciência os resultados oficiais”. “Os próximos dias serão cruciais para o futuro da Bolívia, e todos devem estar à altura deste momento histórico. O povo mostrou seu compromisso com a democracia, e é importante que as forças políticas sigam seu exemplo”, diz o comunicado do órgão. A nota afirma ainda que a OEA “sempre defendeu a vontade popular na Bolívia, expressa por meio de eleições livres”. A instituição diz que permanecerá atenta à apuração oficial dos votos e emitirá, nos próximos dias, um informe preliminar sobre o processo eleitoral como um todo. No ano passado, a organização foi uma das principais vozes responsáveis pela anulação da eleição presidencial. Em um relatório divulgado cerca de 45 dias após a votação, a OEA concluiu que houve ações deliberadas para manipular os resultados das eleições”, incluindo alteração e queima de atas de votação e falsificação de assinaturas. O pleito deste domingo foi considerado um teste para a democracia boliviana, mas a incerteza quanto ao futuro político do país permanece. Mais de 12 horas depois do fechamento das urnas, pouco mais de 18% dos votos tinham sido apurados, o que aumenta as dúvidas sobre quando os bolivianos saberão oficialmente quem será seu próximo presidente. No sábado (17), o presidente do Tribunal Supremo Eleitoral, Salvador Romero, anunciou uma mudança de última hora no método de apuração: o sistema de contagem rápida, questionado no ano passado por levantar suspeitas sobre o resultado, foi substituído pela contagem voto a voto. Apesar de mais demorada, a nova abordagem gera mais confiabilidade no resultado, segundo Romero, que também pediu paciência aos eleitores sob o argumento de que “o país não pode arriscar-se a ter resultados que não gerem certeza”. A contagem rápida na última eleição presidencial foi o estopim do agravamento da tensão política na Bolívia. Na ocasião, a apuração de quase 80% dos votos indicava que o pleito seguiria para o segundo turno, disputado por Evo e Mesa. A contagem, entretanto, foi interrompida durante três horas e, ao ser retomada com o método voto a voto, indicava uma vitória do líder indígena ainda no primeiro turno. Opositores e observadores internacionais acusaram Evo de fraude eleitoral e o país tornou-se palco de uma série de protestos violentos. Sob pressão dos militares, que se rebelaram contra o governo e se recusaram a reprimir as manifestações que exigiam a renúncia do presidente, Evo deixou o cargo acusando seus opositores de arquitetarem um golpe de Estado. Após a renúncia do líder socialista, as lideranças que deveriam assumir a Presidência do país, de acordo com a legislação boliviana, também abandonaram seus cargos. O primeiro foi o vice-presidente Álvaro García Linera, seguido pelo presidente da Câmara, Victor Borda, e pela presidente do Senado, Adriana Salvatierra. Com o vácuo de poder no Executivo boliviano, a então senadora Jeanine Añez declarou-se presidente do país, apesar de não ter reunido quórum nem na Câmara nem no Senado para apoiar sua nova posição. Sua legitimidade foi contestada por ter usado brechas constitucionais para se alçar à liderança da Bolívia. Escoltada pelos militares e com uma Bíblia nas mãos, Añez disse que convocaria novas eleições “o mais cedo possível” promessa que se cumpriria quase um ano depois, devido a dois adiamentos do pleito motivados, segundo as autoridades, pela crise sanitária causada pelo coronavírus.