SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nada de guarda-roupas, closets, gavetas ou malas. As roupas vendidas pela empresa Dress-X, fundada no ano passado pelas ucranianas Daria Shapovalova e Natalia Modenova, criadoras da Semana de Moda de Kiev, não podem ser guardadas –e muito menos vestidas– fora do universo digital. A prática, que pode soar estranha para alguns, é um dos recursos proporcionados pela inserção da moda na realidade virtual, que vem sendo cada vez mais usada por profissionais do setor. Além do ar futurista que evocam –que chega a lembrar algo da estética bizarra da série britânica “Black Mirror” -, as roupas virtuais, criadas a partir de softwares e programas digitais, revelam novos interesses de produção, venda e consumo da moda no mundo contemporâneo, marcado intensamente por experiências intangíveis. Em maio do ano passado, um vestido de pixels ficou famoso depois de ser leiloado em Nova York por US$ 9.500, ou mais de R$ 53 mil na cotação atual. A roupa foi criada pela marca holandesa The Fabricant, especializada em vestes e avatares virtuais e desenvolvedora da plataforma Leela, onde é possível criar de graça o seu “eu digital”. Depois disso, ela se tornou a pioneira desse mercado e hoje produz exclusivamente para a multimarca Dress-X. “Fizemos uma pesquisa e descobrimos que cerca de 9% dos habitantes dos países desenvolvidos compram roupas novas só para postar nas redes sociais”, diz Modenova, a empresária. Segundo ela, foi isso que estimulou as criadoras a investir num modelo de negócio “mais sustentável”, que oferece ao consumidor uma troca do fast fashion pelo “fast fashion digital”. Para comprar na Dress-X, o cliente envia fotos suas à equipe e escolhe a peça. O prazo de envio, que ocorre por email, é de dois a três dias. O preço varia de acordo com a complexidade e o tempo depositados nos processos de produção e de vestimenta. Os valores das roupas estão entre US$ 25, ou R$ 140, e US$ 200, cerca de R$ 1.000. Segundo Modenova, esse tipo de moda promove não só sustentabilidade, como também maior acessibilidade a itens de luxo, alta costura e roupas exclusivas. Ela afirma ainda que a moda virtual desempenha uma importância vital ao futuro da moda. “Gosto de usar roupas digitais para me ver vestida com algo que nunca compraria no mundo real, ou que nem conseguiria encontrar”, diz Diana Ronsal, uma cliente da Dress-X que estima já ter comprado pelo menos dez peças da multimarca. “Eu amo não me preocupar com o tamanho das roupas porque tenho certeza que caberão em mim. Minhas fotos melhoram, fico com looks inusitados e contribuo com o planeta.” A Dress-X, aliás, já não é a única a oferecer esse tipo de serviço. A escandinava Carlings, por exemplo, vende desde roupas totalmente virtuais até uma camiseta que mescla os mundos físico e online. A The Last Statement T-skjorte, que custa EUR 399, ou R$ 2.600, possibilita que a pessoa faça uma “customização digital” da roupa por meio de um filtro no Instagram, pelo qual é possível adicionar ao tecido frases e desenhos animados. A Rohbau, que tem sede em Portugal, também aposta nesta vanguarda e vende um moletom metalizado com a cor da preferência do cliente, pelo valor de EUR 40, ou R$ 264. O investimento na alta costura digital, no entanto, não se restringe a roupas virtuais e tem diversas aplicações, como criação de croquis 3D, desfiles virtuais e até mesmo franquias de jogos. A italiana Gucci, por exemplo, lançou no ano passado a Gucci Arcade, sua própria série de jogos, e neste ano selou uma parceria com o popular “Tennis Clash”. Logo no início da pandemia, que obrigou a indústria da moda a cancelar grandes eventos e alterar sua forma de produção, uma coleção da estilista congolesa Anifa Mvuemba viralizou nas redes sociais. No vídeo, roupas dispensam modelos e desfilam sozinhas. Depois da publicação do conteúdo, os itens – que podem ser vestidos só fisicamente – foram postos à venda online. A britânica Cat Taylor, que recria peças físicas de grifes em 3D, também faz sucesso com publicações deste gênero e tem milhares de seguidores. Mas, se por um lado, o uso do digital permite desfiles sem modelos, por outro é também capaz de dar vida a seres humanos que só existem em pixels. A Genyz, fundada por Cairê Moreira, é a pioneira dos avatares no Brasil e responsável pelas influencers virtuais Mia Bot e Princess A.I. A startup foi também a primeira da América Latina a oferecer um serviço de escaneamento corporal digital para fabricação de roupas físicas. “Usamos a tecnologia para entregar uma roupa de acordo com o corpo da pessoa e com o que ela quer”, afirma Moreira. “Vamos supor que você comprou um moletom e queira transformar a peça num cropped. Para isso, fazemos um escaneamento corporal, que já é algo muito usado nas indústrias de jogos e automobilística, e modelamos a roupa num protótipo sob medida para você ver como ficaria.” Além da Genyz, outra empresa brasileira que tem investido nesse mercado é o Studio Acci, criado por Henrique Assis e Letícia Acciarito, que faz roupas 3D a partir de desenhos, fotografias e ideias para empresas do setor, que podem usar as peças tanto em propagandas quanto em editoriais. “Com o digital, podemos produzir tudo”, diz Assis. “Se você quiser um editorial em Marte, no meio da Amazônia, ou em qualquer outro lugar, é possível.” Assis defende que a roupa digital ultrarrealista – com ou sem modelos (virtuais ou de carne e osso) – é uma ótima maneira para a indústria da moda se reiventar e aumentar seus lucros, já que dispensa parte da sua tradicional mão de obra, materiais e viagens.