RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – No hall dos elevadores do andar mais alto do edifício Joseph Gire, no centro do Rio de Janeiro, ainda é possível ver, meio apagada, a marca da Rádio Nacional, que tornou o prédio um dos marcos dos anos de ouro do rádio brasileiro. Atrás do que antes era um letreiro, estão o que restou de auditórios e estúdios que receberam artistas como Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Orlando Silva e Francisco Alves, sempre recebidos por hordas de fãs na porta do edifício. A outrora imponente construção, considerada o primeiro arranha-céu da América Latina quando foi inaugurada, em 1929, está fechada desde 2018 e hoje abriga apenas três funcionários responsáveis pela segurança e manutenção. Também conhecido como edifício “A Noite”, por ter abrigado o vespertino carioca em seus primeiros anos, ele será levado a leilão pelo governo federal, a um preço mínimo de R$ 90 milhões, como parte de um programa de venda de imóveis hoje sem uso pela administração pública. O programa, que já identificou 3,8 mil imóveis com valor estimado em R$ 30 bilhões, inclui a venda de outros edifícios marcantes em suas regiões, como o Edifício João Pessoa, considerado o primeiro arranha-céu da capital paraibana e também conhecido como “18 andares”. Assim como o Joseph Gire, o João Pessoa tem uma história ligada à música: foi construído onde funcionava a Orquestra Sinfônica da Paraíba, que passou a ocupar seu primeiro andar, após a inauguração, em 1962. Projetado pelo arquiteto Ulysses Petrônio Burlamarqui como um edifício misto entre comercial e residencial, representou uma mudança urbanística importante na cidade, dando início ao processo de verticalização. Em Brasília, entre apartamentos e casas funcionais, a Secretaria do Patrimônio da União incluiu na lista de vendas a antiga estação rodoferroviária, planejada pelo arquiteto Lúcio Costa para ser ferroviária e como parte do Plano Piloto da capital. Projetada por Oscar Niemeyer, ficou pronta em 1976 mas, por falta de demanda, passou a operar também como rodoviária em 1981. A estrutura de linhas retas deixou de ter uso como terminal de transportes em 2010, com a inauguração da nova rodoviária da capital, no centro do Plano Piloto, e passou a abrigar escritórios de órgãos públicos. O governo de Brasília projeta um novo bairro na região da rodoferroviária, que fica no extremo Oeste do Plano Piloto, o que pode valorizar o interesse pelo imóvel. “Esses imóveis sem uso precisam de manutenção, guarda… Nós pagamos para mantê-los e, por outro lado, não retornam nenhum benefício para a sociedade”, diz o secretário da SPU, Fernando Bispo. “Quando vendido ou permutado, os investidores vão desenvolver aquilo, gerando impacto positivo nas cidades.” Em Vitória, porém, a proposta de venda de antigos galpões do IBC (Instituto Brasileiro do Café) gera polêmica. Foi uma das primeiras construções do Jardim da Penha, projetado nos anos 1950 como um bairro planejado inspirado em Belo Horizonte. São 33 mil metros quadrados, construídos para ajudar a regular os estoques brasileiros de café, e hoje pertencentes à Conab. Moradores da cidade temem que a área seja transformada em um complexo residencial e pedem seu uso como centro cultural e turístico. Também planejado para armazenar café, outro imóvel histórico da lista é o antigo prédio da Cobec (Companhia Brasileira de Entrepostos e Comércio), em Campinas, considerada uma das primeiras construções industriais da cidade, erguida em 1938. A venda de imóveis vem sendo alardeada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) como uma possibilidade para levantar R$ 1 trilhão e reduzir a dívida pública do país, embora o balanço do governo mostre que o número dificilmente será alcançado. No primeiro trimestre de 2020, os ativos imobiliários da União somavam R$ 1,3 trilhão, considerando também os imóveis hoje em uso, parques nacionais, aeroportos, estradas e ferrovias, entre outros. Bispo, diz que, além dos imóveis desocupados, o programa de vendas será reforçado pelo remanejamento de órgãos federais para desocupar edifícios hoje subutilizados. “Ao analisar os imóveis, a gente viu que existia uma cultura no governo de acúmulo de bens”, afirma ele. “Chega um momento em que o número de ativos é bem superior à necessidade, e isso onera o governo de maneira desnecessária”. Até agora, a SPU já vendeu 13 imóveis por R$ 220 milhões. Boa parte da arrecadação veio de um galpão em Barueri, na Grande São Paulo, vendido a uma empresa de empreendimentos imobiliários por R$ 162,5 milhões em dezembro de 2019. O mercado vê dificuldades na alienação de alguns ativos, como é o caso do Joseph Gire. Sua venda pode ser prejudicada pela crise no mercado imobiliário corporativo da cidade -o índice de vacância no centro, onde se concentra a oferta de imóveis corporativos, é hoje de 30%. “O mercado comercial e corporativo vive situação muito delicada, com oferta muito grande e demanda retraída desde 2016, com a questão do enfraquecimento econômico do Rio e a perda de investimentos”, diz o vice-presidente da Secovi-Rio, Leonardo Schneider. Ele avalia que o Edifício A Noite tem potencial para atrair empreendimento voltado ao mercado residencial, que ainda não deslanchou na região. O mesmo, diz, poderia ocorrer com outro dos imóveis cariocas na lista de vendas da União: a antiga sede da RFFSA, na Avenida Presidente Vargas, também no centro da cidade. “As autoridades deveriam pegar esses dois projetos e fazer de tudo para que sejam um divisor de águas na ocupação residencial do centro”, diz, lembrando que com o maior uso de home office, a tendência é que a necessidade de espaços corporativos seja cada vez menor. Para o governo, a lei sancionada em junho melhora as condições de venda e pode agilizar a alienação dos ativos. O texto estabelece os leilões virtuais, aumenta de 10% para 25% o desconto em caso de falta de interessados na primeira oferta e mantém com a União passivos que venham a surgir após a alienação do ativo.”