SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pasqual Barretti, 63, médico e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) há 14 anos, foi escolhido pela comunidade acadêmica para comandar a instituição pelos próximos quatro anos. Ele vai encabeçar a lista tríplice que será enviada para a escolha do governador João Doria (PSDB). Com previsão de orçamento para 2021 menor que o deste ano em consequência da queda de arrecadação no estado por causa da pandemia de Covid-19, Barretti afirma que medidas de austeridade serão necessárias e que promoções, reajustes salariais e novas contratações só voltarão a ocorrer em 2022. À reportagem o professor afirmou que, além das medidas de contenção de despesas, é necessário que os reitores das três universidades paulistas se organizem para pedir que o governo do estado assuma parte do pagamento de aposentados das instituições. “Essa discussão precisa começar. A tendência é de que em dez anos, 50% da receita das universidades estará comprometida com pagamento de inativos. Não há aumento de repasse ou economia que dê conta”, diz. Além das restrições orçamentárias, Barretti também enfrentará a retomada das aulas presenciais na universidade, que ainda estão suspensas na maior parte dos cursos. O resultado da votação foi divulgado nesta sexta (16). A chapa de Barretti, que tem como vice-reitora a professora Maysa Furlan, do Instituto de Química do campus de Araraquara, foi eleita com 50,6% dos votos válidos. O colégio eleitoral da instituição ainda precisa homologar o resultado, o que está previsto para o próximo dia 21. Além de Barretti, a lista tríplice que será enviada a Doria terá o nome Enes Furlani Junior, professor da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, que ficou em segundo lugar na consulta. Como só havia duas chapas na disputa, o terceiro nome será escolhido pelo colégio eleitoral dentro do universo de professores titulares. Cabe ao governador escolher um dos nomes. Tradicionalmente, quem encabeça a lista tríplice é indicado. Após a ditadura militar, essa tendência só foi quebrada no estado de São Paulo em 2009, quando o então governador José Serra (PSDB) preferiu João Grandino Rodas, o segundo colocado, como reitor da USP. * PERGUNTA – A situação financeira e orçamentária será o principal desafio da sua gestão? PASQUAL BARRETTI – Garantir a governabilidade será o principal desafio e, para isso, será necessária uma série de medidas de austeridade. O ano que vem será um ano atípico, a administração estará praticamente paralisada em relação a promoções, evolução de carreira, reajuste e contratações. Ainda assim, acredito que será um momento rico para a gente refletir sobre a Unesp e desenhar um plano consistente para os próximos dez anos. Vamos nos planejar no próximo ano para que, em 2022, a gente volte a construir o que precisou ficar para trás. Estamos com um déficit muito grande de professores e servidores, e isso dificulta o funcionamento da universidade. As pessoas estão se aposentando e não estão sendo sendo repostas. P – Qual é o déficit de professores na Unesp hoje? Como tem impactado no ensino e pesquisa? PB – Existe o déficit formal, que hoje é de mais de mil professores que se aposentaram e não repostos. Eu, no entanto, acredito que esse número seja um pouco menor, porque as atividades mudaram, as demandas dos cursos são outras e temos novos recursos disponíveis. A Unesp precisaria de cerca de 350 a 400 professores para manter a sua excelência acadêmica. Esse déficit não impacta apenas os cursos de graduação, mas também as linhas de pesquisa e todas as outras atividades inerentes à universidade. P – Em 2018, a atual gestão da Unesp propôs a extinção de cursos de graduação para reduzir os custos da universidade. O senhor pretende dar continuidade a esse plano? PB – Existem outras formas mais eficientes de enxugar os custos da máquina administrativa. O fechamento de cursos nem sempre traz a economia que as pessoas imaginam. Os professores são funcionários públicos, não vão ser demitidos. Além disso, o fechamento de cursos impactar negativamente as economias locais. Não me parece adequado, como missão de uma universidade, fechar vagas públicas de ensino. Entre as medidas de redução de custos, essa seria a última que eu adotaria. Acredito que o enxugamento possa ocorrer pela reitoria, com a redução de assessores, viagens e deslocamentos. P – Como avalia o ensino remoto neste ano e como planeja o ano letivo do próximo ano? PB – Vamos seguir estritamente as recomendações científicas. Eu, como médico e alguém que acredita na ciência, acho ainda precipitado falar em datas, em quando vamos retomar e de que forma vai acontecer. Ainda não entendemos completamente a trajetória dessa pandemia. É evidente que, se as condições sanitárias permitem, o ensino presencial é sempre a melhor forma de ensino. Mas vamos dialogar com os institutos para definir o formato e a retomada do próximo ano. Fizemos uma mudança emergencial para o ensino remoto e ainda não temos dados concretos para avaliar o desempenho e se haverá necessidade de suplementações acadêmicas. Apesar do esforço, é claro que fica uma lacuna, principalmente nas disciplinas práticas, nas relações pessoais. Não podemos dizer que o ensino remoto substituiu bem, podemos dizer que substituiu. P – O senhor avalia que as universidades devem negociar um repasse maior do governo do estado ou outras formas de liberar o orçamento para as atividades-fim? PB – A questão mais importante a ser discutida é a folha de pagamento dos aposentados, que está na conta das universidades desde 1988. Só que, nos últimos anos, a situação mudou. Em 2008, ela consumia 8% das liberações de ICMS [as três universidades paulistas recebem uma cota fixa de 9,57% da receita do tributo, sendo esta a principal fonte de financiamento das instituições]. Hoje, chega a 31%. A expectativa de vida é maior e essa folha só tende a crescer. A previsão é de que chegue a 50% nos próximos dez anos. Não há cota parte ou economia que dê conta disso. Isso não significa que vamos transferir o pagamento de todos os aposentados para a conta do estado, até porque o estado não comporta isso. Essa negociação precisa ocorrer de forma equilibrada para que a gente possa se adequar à lei que criou o SPPREV [previdência paulista], que prevê como sendo responsabilidade do estado a insuficiência financeira [quando o valor pago aos aposentados supera a contribuição dos servidores ativos]. A insuficiência da Unesp hoje é de R$ 700 milhões. É muito importante que os três reitores se unam para essa discussão. P – Em um momento de ataques às universidades públicas, o senhor avalia ser oportuna essa discussão? PB – De um lado, existem ataques. De outro, há uma profunda percepção do papel e da importância das universidades. Se o país não tivesse universidades com a excelência que temos, não haveria possibilidade de combate a pandemia. Infelizmente, temos um governo federal abaixo da crítica e vêm desse governo o ataque à ciência, com a defesa de substância sem nenhuma ação comprovada, que nega os efeitos da pandemia e causa confusão na sociedade. Há uma ação concatenada contra as universidades partindo do governo federal, mas eu não vejo isso de maneira tão clara no governo estadual. Dois momentos me preocuparam muito em São Paulo. O primeiro, com a CPI das Universidades, que não chegou a nenhuma conclusão e foi conduzida por pessoas pouco qualificadas para essa discussão. O segundo foi o do PL 529, mas houve um recuo maduro do governo estadual. O momento é oportuno para discutirmos a importância do financiamento público às universidades. Talvez elas tenham se distanciado da sociedade, mas mostramos a importância do nosso trabalho e como estamos presente. RAIO-X Pasqual Barretti, 63, é professor titular da disciplina de nefrologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e diretor científico da Famesp (Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar) de Botucatu. Publicou mais de 130 artigos em periódicos especializados e mais de 340 trabalhos em anais de eventos.