Putin faz ultimato aos EUA e pede extensão de pacto nuclear sem condições

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após meses de negociações tensas e fracassadas, nas quais os Estados Unidos colocaram obstáculos seguidos, o presidente Vladimir Putin decidiu fazer um ultimato a Donald Trump acerca da extensão do último acordo de limitação de armas nucleares em vigor. Em reunião com o Conselho de Segurança da Rússia, Putin disse: “Eu tenho uma proposta de estender o atual acordo sem nenhuma precondição por pelo menos um ano, para termos a oportunidade de conduzir negociações substanciais”. Ainda não houve uma resposta americana. O Novo Start (Tratado de Limitação de Armas Estratégicas, na sigla inglesa), o acordo em questão, foi assinado em 2010 e expira em 5 de fevereiro do ano que vem. Ele poderia ser estendido por mais cinco anos, mas há dois anos americanos e russos não se acertam sobre o tema. Inicialmente, os americanos insistiram seguidamente para que a China fosse incluída no acordo, já que é a terceira maior potência nuclear do mundo e vista como a maior ameaça estratégica pelos EUA. Ocorre que o arsenal chinês é de 320 ogivas nucleares em estoque, enquanto o Novo Start limita o número de armas estratégicas prontas para uso em 1.550 para cada uma das antigas superpotências da Guerra Fria. O tratado também limita a 700 o número operacional de bombadeiros com capacidade nuclear, como o americano B-52 e o russo Tu-160, e mísseis. Também coloca um teto de 800 meios de lançamento de mísseis em estoque. Washington manteve sua posição até junho, quando aceitou deixar a adesão chinesa para um segundo momento, mas impôs novas condições aos russos para garantir o adiamento do fim do Novo Start. Os EUA pediram a inclusão no tratado não só de armas estratégicas, aquelas com as quais se ganha a guerra -na hipótese remota de alguém ganhar uma guerra nuclear entre potências equivalentes-, mas também as táticas, menos potentes e usadas em ações militares pontuais. A Rússia apontou a ironia do pedido, dado que Trump mudou a doutrina nuclear americana justamente para facilitar o emprego de armas táticas e equipou seus submarinos com uma nova ogiva do tipo. Além disso, os americanos pediram um regime de inspeção mais rígido, algo que os russos não topam, causando suspeita sobre os desenvolvimentos de novos armamentos. Em média, há 18 inspeções mútuas por ano sob o Novo Start, mas a pandemia só permitiu 2 até aqui em 2020. Com isso, há duas semanas houve uma última tentativa de acordo, em reuniões ocorridas em Genebra e Helsinki. O negociador americano, William Billingslea, saiu delas dizendo que estava tudo pronto para um “acordo em princípio” e que ele incluiria um congelamento total de arsenais nucleares por um ano. Os russos disseram que não havia acordo algum, e houve reações bastante mal-humoradas de Serguei Lavrov, o poderoso chanceler do país, no cargo desde 2004. A suspeita óbvia: EUA queriam criar uma notícia positiva para ajudar Trump em sua reta final de campanha pela reeleição às custas da Rússia. Do ponto de vista contraintuitivo, na hipótese de o Kremlin de fato apoiar Trump, um acordo poderia ter sido ofertado nos bastidores, enquanto os políticos falavam grosso. Seja como for, Putin entrou no jogo. Antes, ele apenas havia feito a defesa da extensão do Novo Start e criticado os EUA por sua intransigência, enquanto desenvolve seu novo inventário de mísseis com capacidades nucleares. Agora, apresentou sua carta. Tudo agora vai depender de Washington. Se conseguir embalar a notícia como uma vitória pela paz enquanto Trump sofre para tentar virar a eleição contra Joe Biden, talvez a proposta de Putin seja aceita. O cálculo parece ser esse. Se for seguir seu trabalho até aqui, os EUA seguirão com o desmonte do sistema internacional de controle de armas e estímulo a novas tecnologias na área que marcou a gestão do republicano de 2017 até aqui. O Novo Start é imperfeito e tem lacunas, mas é o que sobrou. Trump já deixou o INF (que tratava de mísseis de alcance intermediário na Europa, uma das bases do fim da Guerra Fria) e os voos mútuos de reconhecimento de sítios militares, uma medida de confiança com a Rússia. Se o assunto parece algo esotérico para o eleitorado, nunca é demais lembrar que há no mundo 13.410 armas nucleares, segundo a Federação dos Cientistas Americanos, referência na área. Cerca de 90% delas são russas ou americanas, aí incluídas as armas táticas não cobertas pelo Novo Start e o estoque de armas que não estão prontas para uso: 4.310 ogivas de Moscou e 3.800, de Washington. Se não chega perto das quase 70 mil bombas do fim da Guerra Fria, nos anos 1980, é mais do que suficiente para inviabilizar a vida na Terra diversas vezes.

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