FOLHAPRESS – Quando, enfim, às 19h desta quinta-feira (15), a seção de cordas da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) emitiu o acorde inicial de “Für Lennart in Memoriam” -obra do compositor estoniano Arvo Pärt, de 85 anos- a Sala São Paulo voltou à vida: foi o primeiro concerto com público presente após mais de 200 dias de suspensão da temporada regular. A peça foi tocada com violinistas e violistas de pé. Compacto e timbrado, o som não vinha de um gadget -tal como nos acostumamos a escutar nos últimos tempos-, mas incidia diretamente no ambiente, refletia no teatro, e voltava enriquecido e maturado para a nossa intimidade. À frente da fila, mais distante dos colegas do que de costume, o experiente violista Peter Pas estava em total concentração, como se tocar e ouvir fossem uma coisa só. Sua nota sol, que clamava por resolução, comparecia com cor própria, no volume exato. Autorizada a funcionar com o máximo de 480 lugares (contamos cerca de apenas cem pessoas nesse primeiríssimo concerto, com público mais jovem, em média, do que o habitual), a Sala São Paulo está bem preparada para o retorno dos concertos presenciais. Foi possível chegar, entrar, assistir e voltar para casa sem tocar em nada no local. As janelas abertas no hall diminuem muito a sensação de insegurança e, além da ventilação natural, permitem uma inédita interação visual com o exterior: é bom poder ver as luzes da cidade (para proteção foram instalados anteparos transparentes na área lateral externa). Embora bem espaçadas e em número reduzido, as mesas foram pouco utilizadas; mesmo assim, há que tenha se sentido à vontade para comer ou beber algo (e tirar a máscara para isso). Dentro da sala de apresentações a instrução é para que cada um permaneça em seu assento até o final. Filas e corredores inteiros são alternadamente bloqueados e há dois lugares vazios entre cada pessoa na mesma fila. O programa é mais curto, sem intervalo, e não há distribuição de material impresso (legendas são projetadas com o repertório). A Osesp agora faz seis apresentações de cada programa, com duas sessões por dia. Assim como todo o naipe de cordas, o maestro alemão Alexander Liebreich -um constante colaborador da orquestra- usou máscara durante toda a performance. Os sopros ficaram afastados (com as madeiras bem ao fundo do palco). Esse diferente posicionamento afeta, sem dúvida, a percepção usual dos músicos, e a sala mais vazia também muda a sensação geral do som, que fica mais próxima da que se tem nos ensaios. Inspirada em uma obra sacra cantada no idioma eslavo eclesiástico antigo, a peça de Pärt foi escrita em memória a Lennart Meri, artista, tradutor e diplomata que lutou pela independência da Estônia e ocupou a presidência do país entre os anos de 1992 e 2001. Assim como a de Pärt, a música de Brahms carrega em si uma perspectiva histórica ampla. Estão nela o sabor da renascença, a polifonia barroca, as formas clássicas e a expressão romântica. Liebreich escolheu andamentos exatos para evidenciar a riqueza do contraponto e as variações de dinâmica na “Sinfonia n.1”. A equalização dos sopros oscilou um pouco nos dois movimentos intermediários, mas houve um crescimento no complexo finale, que teve ainda os trombones soando com “total distanciamento social”, das alturas de um camarim no meio da sala. Não houve uma única tosse na plateia -nem mesmo nas pausas entre os movimentos da sinfonia, mas a sensação de aplaudir ao final foi um pouco estranha: não apenas pelo fato de a Sala não estar suficientemente cheia, mas porque pareceu que o aplauso havia se tornado mais um protocolo- só que desnecessário. Frequentamos o mesmo espaço, mas não estamos juntos -o social não voltou. Por outro lado, as condições atuais favorecem a escuta introspectiva. Não é o evento que vale o risco: é a música. OSESP – CONCERTOS DE REABERTURA – ‘FÜR LENNART’ Avaliação: muito bom Quando: Sex. (16) às 19h e 21h15; sáb. (17) às 15h15 e 17h30 Onde: Sala São Paulo (praça Júlio Prestes, 16) Preço: R$150 Classificação: 7 anos