BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles recorreu à estrutura jurídica do Estado para acionar judicialmente um ambientalista que o havia criticado em entrevista – por causa da fala sobre “passar a boiada” na legislação ambiental. O secretário-executivo do Observatório do Clima Márcio Astrini recebeu no fim da semana passada uma notificação judicial, a pedido da AGU (Advocacia Geral da União), para que apresentasse explicações a respeito de uma entrevista que concedeu. Salles consta como a parte notificante, tendo como representante legal Gustavo Vicente Daher Montes, da AGU. A União é apontada como “terceiro interessado”. Durante a entrevista que resultou na notificação, Astrini criticou as declarações de Salles em reunião ministerial, na qual sugeria usar a comoção em torno da pandemia do novo coronavírus para “passar a boiada” na legislação ambiental. “A gente viu um ministro de estado numa conversa de comparsas convocando para aproveitar o momento da pandemia, em que todo mundo está preocupado com a vida, para fazer uma força-tarefa de destruição do meio ambiente”, declarou Astrini na entrevista. “Ele [Salles] sabia que, para evitar problemas jurídicos, ele precisou encomendar pareceres jurídicos junto à AGU. É um absurdo por si só”, afirmou Astrini na reportagem citada na notificação. O texto completo da notificação defende a polêmica declaração de Salles, explicando que se deu no contexto de uma reunião ministerial e que o intuito do ministro, durante sua fala, era propor uma “revisão geral dos atos normativos infralegais com o intuito de empregar coerência regulatória que enalteça uma maior segurança jurídica no país”. A notificação também menciona que “o pedido de explicações, admissível em qualquer das modalidades de crimes contra a honra, constitui típica providência de ordem cautelar destinada a aparelhar ação penal principal tendente à sentença condenatória”. A AGU também afirma ter sido atingida, além do ministro, pela fala sobre “encomendar pareceres jurídicos”. Em entrevista à Folha, Astrini afirma que ficou impressionado com o fato de Salles ter recorrido à AGU para iniciar uma ação contra ele. “Vejo com preocupação, porque é uma força desproporcional, usar um aparato estatal contra um CPF, contra um indivíduo”, disse Astrini, acrescentando que essas práticas lembrar o período da ditadura militar. “É uma tentativa clara de intimidação contra quem critica o governo, principalmente na área ambiental, porque esse governo é claramente ruim nessa área. Mas a única maneira de silenciar a sociedade é mudando a política ambiental, respeitando a Constituição e não com medidas intimidatórias”, completou. Nesta quarta-feira (14), o ambientalista protocolou suas explicações na Justiça Federal, na qual evoca o direito à liberdade de pensamento e afirma não ter ofendido a honra de Ricardo Salles. Argumenta que suas críticas se dão porque a gestão Salles “paralisa e desconstrói o sistema nacional de proteção ambiental” “O que se espera é que o Notificante siga respeitando a livre manifestação e circulação de ideias e opiniões divergentes e até contrárias às representadas por sua política à frente do Ministério do Meio Ambiente, o que é absolutamente legítimo e bem-vindo dentro de um Estado Democrático de Direito”, afirma o texto. O Ministério do Meio Ambiente foi procurado no final da tarde desta quinta-feira (15), mas não se pronunciou até a publicação dessa reportagem. Também nesta quinta-feira, mais de 100 entidades representantes da sociedade civil e pesquisadoras divulgaram uma nota de agravo contra a “tentativa de intimidação do ministro Ricardo Salles”. “São as organizações e seus representantes, como Astrini, que ajudam a proteger o patrimônio ambiental brasileiro, seja denunciando atividades criminosas como desmatamentos ilegais e invasões de terras públicas, seja expondo o desmantelamento doloso de políticas públicas ambientais operado pelo GovernoBolsonaro”, afirma o texto da nota. “Enquanto Salles busca utilizar o aparato do Estado para esconder sua política antiambiental, a floresta queima, a transparência diminui, o espaço democrático se encurta e a imagem do Brasil se desintegra internacionalmente”, afirma outro trecho da nota.