UFRJ chega ao centenário enfrentando pandemia e restrições orçamentárias

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Prestes a completar 100 anos, a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) é reconhecida como um dos maiores centros de produção científica e acadêmica do país. Para se manter nessa posição, no entanto, a universidade precisa enfrentar restrições orçamentárias nos gastos não obrigatórios e um severo déficit acumulado na década de 2000. Com um importante agravante: a pandemia da Covid-19. No projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021, encaminhado pelo governo federal ao Congresso, está prevista uma redução de 16,5% nos repasses às universidades federais referentes às despesas não obrigatórias. Esses gastos, sobre os quais as instituições têm autonomia, são direcionados ao custeio, investimentos e assistência estudantil. A restrição orçamentária já estava em curso nos últimos anos. Em 2016, o governo federal destinou à UFRJ R$ 461 milhões para cobrir essas despesas, chamadas de discricionárias. Em 2021, a projeção é de que sejam repassados R$ 310 milhões. O valor de fato empenhado poderá ser ainda menor, porque dependerá do Congresso a aprovação dos chamados créditos suplementares, que correspondem a cerca de 40% do orçamento que engloba todas as despesas da universidade, inclusive salários e aposentadorias. O MEC (Ministério da Educação) informou que, para minimizar o impacto da redução estimada para 2021, haverá a liberação da totalidade dos recursos alocados nas universidades previstos no orçamento deste ano. No ano passado, o governo federal e as universidades entraram em forte embate após o anúncio de que 30% do orçamento referente aos gastos não obrigatórios seria congelado. Meses depois, o MEC acabou liberando os valores. O corte previsto para 2021 pesa ainda mais sobre a UFRJ porque a instituição vem enfrentando um déficit importante há cerca de oito anos, explica o pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp. Segundo ele, entre 2012 e 2017 o governo federal não autorizou na integralidade os repasses previstos na lei orçamentária. Isso fez com que a universidade não conseguisse honrar os contratos firmados e acumulasse dívidas. “Nossa gestão assumiu no ano passado. Conseguimos reduzir um pouco o déficit, mas ainda é de uma magnitude muito grande. Sempre dois meses do ano anterior são carregados para pagar no ano seguinte. Isso vem acontecendo mesmo com a universidade fazendo reduções, renegociando contratos, segurando custos”, diz. Raupp afirma que o corte em 2021 será ainda mais drástico, e prevê uma redução de 25% em todos os contratos, com exceção da limpeza hospitalar. Também estão previstos cortes nas bolsas de extensão, pós-graduação e iniciação científica e na assistência estudantil para alunos de baixa renda. “Vai afetar todo nosso funcionamento, e drasticamente os investimentos. Com a pandemia, deveríamos estar fazendo investimentos no nosso parque tecnológico, nas instalações para receber os alunos num eventual retorno presencial. A sinalização é que nada disso será possível”, diz. O pró-reitor estima que o corte deverá retardar a volta das aulas presenciais, que só será possível com uma taxa de contágio muito baixa ou com o desenvolvimento da vacina. Com cinco campus, sendo dois fora da capital, 65 mil estudantes, nove hospitais e mais de mil laboratórios, a universidade se compara a um município de médio porte. No último Ranking Universitário Folha, de 2019, a UFRJ despontou em 3º lugar. Também estão vinculados à instituição 14 prédios tombados e 13 museus, sendo um deles o Museu Nacional, destruído por um incêndio há dois anos. Em julho, a Polícia Federal concluiu que não houve ação criminosa e descartou omissão dos gestores, já que a universidade havia conseguido a verba para a reforma do prédio apenas poucos meses antes do incêndio. Sem recursos para grandes investimentos na recuperação dos prédios históricos, há sempre o risco de que tragédias como a do Museu Nacional voltem a acontecer. A própria restauração do museu vem ocorrendo com a ajuda de emendas parlamentares e doações. “Ficou comprovado no inquérito que houve iniciativa da universidade para ter o contrato, mas que não conseguia implementar. É uma situação que se generaliza. Nossos prédios são antigos, há exigência do Ministério Público de planos de combate a incêndio. Isso custa milhões”, diz Raupp. Mesmo com o orçamento apertado, a UFRJ fez importantes contribuições no combate à pandemia do novo coronavírus, fornecendo respiradores, testes e protetores faciais. No momento, a produção de duas vacinas com distintas metodologias está em andamento na universidade, na fase dos ensaios pré-clínicos. A partir da aplicação dos testes, a instituição descobriu, por exemplo, pacientes assintomáticos que permanecem positivos por meses, transmitindo o vírus e funcionando como um “reservatório da doença”. As iniciativas são citadas pela reitora Denise Carvalho, em entrevista à reportagem. “Todos sabemos que tem uma crise econômica no país, somos sensíveis ao desemprego, mas somos uma possibilidade de o país gerar riqueza, renda e emprego. [A restrição orçamentária] é um projeto que retarda a retomada do crescimento”, diz. “Nos desenvolvemos durante cem anos com muita dificuldade, sempre.” A universidade tem alguns objetivos já determinados para a continuidade do seu desenvolvimento. Um deles é transformar a instituição, que tem um parque tecnológico de 350 mil m², em um dos núcleos de inteligência artificial do país. Outro é aprimorar as pesquisas na área de energias renováveis. Na área da saúde, deve ser inaugurado até o fim do ano um prédio dedicado à medicina de precisão. Por meio da prática, seria possível, por exemplo, identificar geneticamente quais pessoas apresentariam um quadro leve da Covid-19. Dessa forma, elas poderiam ser propositalmente infectadas e gerar a imunidade de rebanho. A reitora ressalta que as instituições públicas querem competir em termos científicos com o mundo. “Temos excelência acadêmica e pessoas formadas para isso. Só nos falta investimento.”

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