SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A mais recente denúncia apresentada pela força-tarefa da Lava Jato de São Paulo contra Paulo Vieira de Souza, suspeito de ser operador do PSDB, descreve uma rotina de elevadas movimentações em espécie, um hotel com hóspedes fictícios e até um divórcio forjado para escapar de bloqueio de bens. No centro da acusação, apresentada na última quinta-feira (3), está o hotel Giprita, em Ubatuba (litoral norte de SP), de propriedade das duas filhas, também denunciadas na peça. Ele era usado pela família, segundo os procuradores, para lavar dinheiro vivo que estava em posse dos acusados. Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, foi diretor da Dersa (estatal paulista de rodovias) até 2010 e está preso em casa, com tornozeleira eletrônica. Ele é suspeito de ser arrecadador de propinas em obras estaduais de São Paulo durante governos do PSDB. A nova denúncia da Lava Jato de São Paulo contra Paulo Preto tem 191 páginas, com detalhada análise de notas fiscais, recibos e trocas de mensagens obtidas em buscas e apreensões. A peça foi apresentada logo após a força-tarefa informar que renunciará até o fim de setembro, devido a um conflito interno, e tem sido apontada pelos procuradores como a prova de que é necessário um grupo especializado para atuar em casos complexos como esse. A denúncia afirma que o hotel em Ubatuba recebia “volume diminuto de hóspedes” e servia de fachada para a família legalizar dinheiro obtido de maneira ilícita. Afirma, por exemplo, que a hospedaria, que funciona até hoje, nunca informou a respeito de seus clientes o Sistema Nacional de Registro de Hóspedes, controle obrigatório mantido pelo Ministério do Turismo. Uma das formas de fazer essa lavagem seria por meio de depósitos em espécie nas contas do hotel, que geravam notas fiscais de falsos serviços de hospedagem. Segundo a acusação, de 2016 a 2019 havia notas fiscais que somavam receitas de R$ 1,3 milhão em que constavam como hóspede o nome do próprio hotel Giprita, sempre com pagamentos em espécie. Uma nota fiscal, de R$ 4.300, aponta uma “inusitada ocupação, por ligeiros oito minutos”, no quarto de número 4. Em outra ocasião, houve uma cobrança de duas diárias para o mesmo quarto, em uma hospedagem de R$ 8.000 em dinheiro vivo. A quantidade de valores em espécie entrando nas contas é sempre citada pelos investigadores: de 2006 a 2019 as receitas com cartão de crédito somaram apenas 15% do total. A receita bruta do empreendimento no período foi de R$ 21 milhões. A denúncia afirma ainda que Paulo Preto, em 2018, quando já era alvo da Lava Jato, pagou ao hotel R$ 250 mil a título de “compra antecipada” de diárias e de uso do salão de eventos. Para a investigação, a medida tinha o objetivo de burlar eventual bloqueio de bens. A hospedaria no litoral paulista, porém, era usada para quitar despesas pessoais da família, inclusive a reforma de imóvel e a compra de veículos de luxo. Até o motorista particular de Paulo Preto era listado como funcionário do hotel. A denúncia, por exemplo, fala em despesas de R$ 214 mil em um posto de combustível próximo às residências dos Souza. Em uma conversa interceptada, que não teve a data revelada, Priscila Arana de Souza, uma das filhas do ex-diretor da Dersa e sócia do hotel, afirma: “Não quero nada na minha casa, nenhum tostão. Chega de encrenca, quero dinheiro por dentro. Cartão”. Os indícios de elevada movimentação em espécie coincidem com depoimento do hoje delator Adir Assad, que operava pagamentos de grandes empreiteiras. Assad afirmou que buscava dinheiro vivo em uma casa em São Paulo onde Paulo Preto guardava milhões de reais. A acusação do Ministério Público Federal afirma que parte relevante das receitas do hotel eram repassadas a título de distribuição de lucros e rendimentos isentos às filhas Tatiana, 40, e Priscila, 42. A margem de lucro da empresa, dizem os procuradores, esteve muito acima do normal para empreendimentos do tipo. De 2006 a 2013, afirmam, foram encaminhados às duas dessa maneira R$ 7,5 milhões (em valores não corrigidos). Tanto Priscila como Tatiana são acusadas de participar do suposto esquema criminoso. O Ministério Público ainda incluiu na denúncia a ex-mulher Ruth Arana de Souza, que era responsável financeira do hotel. Para os procuradores, o casal formalizou sua separação em 2009, mas apenas para preservar os bens diante de eventuais ações na Justiça e continuou vivendo junto. A denúncia afirma que a divisão das propriedades deixou parte maior para a ex-mulher, já que era o ex-diretor da estatal quem tinha mais risco de ser processado. Além disso, menciona como provas fotos dos dois juntos, encontradas na quebra de sigilo, conversa com Priscila na qual ela sugere que a mãe pare de visitar o pai, à época preso, para evitar mostrar o vínculo familiar entre eles, e uma carta na qual Paulo Preto a chama de “espoza [sic]”. Procurado, o advogado de Paulo Vieira de Souza, Alessandro Silvério, disse que não comentará a denúncia e que se manifestará nos autos. A reportagem não localizou as defesas das filhas e da ex-mulher de Paulo. Esta é a quarta denúncia apresentada pela Lava Jato de São Paulo contra Paulo Vieira de Souza. Ele também já foi alvo de uma ação civil do Ministério Público Federal sob acusação de improbidade. Ele foi condenado duas vezes, mas uma dessas condenações foi anulada por um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça). O MPF recorre.