BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A brasileira Hilana de Moraes Lannes se encontra há mais de dois anos em prisão domiciliar em Frankfurt, na Alemanha, acusada de sequestro dos próprios filhos – de quem tinha certeza que possuía a guarda. Em junho de 2018, Hilana viajou para um congresso na Europa, sem saber que era alvo de alerta vermelho da Interpol. O pedido de prisão partiu de um terceiro país, a Argentina, nacionalidade de seu ex-marido e pai de seus dois filhos. A falta de preocupação com uma possível prisão, relata, se dava pela certeza de que uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em seu favor tinha encerrado o caso, que já durava 16 anos. “A decisão do ministro [Edson] Fachin tinha saído. Para mim a causa tinha terminado e eu acreditei que o Brasil havia mandado um comunicado [à Argentina]”, disse. “Eu fui à Polícia Federal tirar o meu passaporte para viajar. Também no aeroporto você precisa apresentar o passaporte, mas em nenhum momento alguém me falou nada [sobre o alerta da Interpol]”. Hilana ficou quase dois meses em uma cela. Depois ganhou direito a um regime semelhante à prisão domiciliar, no qual as autoridades retiveram seu passaporte. Ela não pode trabalhar e tem restrições de movimento. A Justiça local analisa o pedido de extradição para a Argentina, mas o processo foi suspenso devido à pandemia da Covid-19. O caso que levou a sua prisão começou em dezembro de 2002, quando ela e seu então marido, o argentino Alejandro Daniel Esteve, viajaram ao Rio de Janeiro com os dois filhos, então com três anos e cinco meses. Hilana afirma que o casal havia decidido deixar a província de San Isidro para se estabelecer em definitivo no Brasil. Encerraram o aluguel de sua casa, venderam móveis e levaram roupas e brinquedos das crianças. Já em território brasileiro, seu então marido teria se desentendido com o sogro e decidiu retornar. A brasileira então optou por não acompanhar o marido, a quem acusa de violência doméstica – ele nega. A versão de Esteve aponta que a viagem seria apenas para curtir férias. “Logo após ter sido surpreendido com a informação que sua ex-mulher não retornaria mais com as crianças para a Argentina, o Sr. Alejandro Daniel Esteve adotou providências junto à Autoridade Central Argentina em conformidade com a Convenção de Haia, de 1980, além de outras medidas judiciais perante o Poder Judiciário argentino”, informa nota dos advogados Fabiana Quaini e Marco Aurélio Gerace. A convenção mencionada aborda casos de sequestro internacional de crianças. O caso avançou na Argentina, com o juiz de San Isidro determinando a restituição das crianças e, mais tarde, em 2009, a prisão de Hilana. Seguiram-se o alerta da Interpol e o pedido de extradição, em 2018. Em paralelo, tramitou no Brasil processo para decidir a guarda das crianças. Como o Brasil não extradita seus nacionais, a Argentina também solicitou que o caso de sequestro e retenção ilegal fosse analisado pela Justiça brasileira. Hilana obteve seguidas vitórias nos processos, nos quais a União representou a Argentina – como determinam acordos internacionais -, tendo Esteve como assistente de acusação. Em 2017, o ministro Edson Fachin, do STF, decidiu que não houve crime e manteve a guarda com Hilana. No entanto, não há garantia de que a decisão tenha chegado ao conhecimento do Judiciário argentino, por uma possível falha da União ou dos antigos advogados da brasileira. A AGU (Advocacia-Geral da União) informou que realizou todo o procedimento, notificando autoridades do Ministério da Justiça, para que a decisão de 2015 – no Superior Tribunal de Justiça, anterior à do STF -, fosse comunicada. Questionada sobre a decisão de 2017, o órgão não respondeu. A AGU ressalta que a decisão brasileira não tem conexão com a ação penal na Argentina. “O resultado da ação de conhecimento que correu perante o juízo brasileiro não tem o condão de eliminar os efeitos da pena atribuída à genitora pelo juízo argentino, em ação penal, e tampouco serviria para dar baixa em pedido à Interpol realizado pela Argentina”. O Ministério da Justiça afirma que nunca recebeu a decisão do STF. A defesa de Hilana acredita que a decisão final brasileira pode alterar os rumos do processo, uma vez que havia o pedido do país vizinho para julgá-la. Recentemente, seus novos advogados obtiveram certidão do ministro Fachin, traduziram e protocolaram no Ministério da Justiça, para que fosse transmitida. A Argentina apontou recebimento. “A Argentina agora já sabe que, no Brasil, a guarda da Hilana é legítima. Se a guarda das crianças é legítima, então é impossível o crime de sequestro ou retenção de criança”, afirma o advogado Maurício Dieter. “Eu espero que a interpretação da Suprema Corte da Argentina seja quase como um habeas corpus de ofício para a Hilana, informando a vara criminal de San Isidro de que não tem como continuar uma ação penal”. Em um terceiro palco jurídico, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aceitou a admissibilidade da denúncia dos advogados de Esteve. O caso, no entanto, se arrasta lentamente nessa corte. Os 18 anos da disputa são considerados traumáticos pelos personagens envolvidos. Esteve veio apenas duas vezes ao Brasil. Um dos motivos era a falta de pagamento de pensão, que poderia acarretar em sua prisão ao desembarcar. O processo foi depois retirado por Hilana. Por outro lado, ele sofreu uma agressão ao chegar em seu hotel em uma das vindas ao país e acusou Hilana de ser a mandante – ela nega. Os filhos mantiveram contato com o pai, por telefone e redes sociais, além do encontro nas duas vindas de Esteve ao Brasil. O estudante Dan Lannes Esteve, atualmente com 21 anos, afirma que pediu algumas vezes para seu pai parar o processo. “Fiquei um pouco irritado com ele [por não retirar a acusação], mas deixei de lado. Mas quando a minha mãe foi presa, decidi que iria cortar totalmente a relação”, disse. “Meu pai segue o processo apenas por vingança”. A defesa de Esteve afirma que ele “continuará a lutar pela defesa de seus direitos e dos direitos de seus filhos, como sempre fez, bem como, informamos que todos os procedimentos no Poder Judiciário Argentino e Corte Interamericana de Direitos Humanos terão seu curso normal até decisão definitiva”.