SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Centenas de cientistas uniram forças para traçar um grande mapa da presença de espécies invasoras de mamíferos na América Latina. O levantamento chegou a uma lista de quase 80 tipos de “intrusos” ecológicos, cuja presença traz diversos tipos de ameaças às espécies nativas, que vão da competição e da predação ao espalhamento de novas doenças. A pesquisa, publicada no periódico Ecology e coordenada por pesquisadores brasileiros, é o que os especialistas chamam de “data paper”, ou seja, um grande banco de dados cujas informações ficarão disponíveis para toda a comunidade científica, de modo a subsidiar outros estudos sobre o tema no futuro. Os 74 mil registros de mamíferos invasores espalhados pelo continente incluem tanto animais domésticos quanto espécies selvagens que foram transportadas pela ação humana. “Uma espécie doméstica exótica, ou seja, que não pertence ao local onde está inserida, passa a ser classificada como invasora quando é criada de forma livre. Nesse caso, ela ainda recebe assistência humana, como alimentos e cuidados veterinários, mas habita um ambiente natural, onde causa pisoteio de solo e córregos, como o gado, ou predação de animais nativos, como cachorros e gatos”, explica Clarissa Alves da Rosa, ecóloga do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e primeira autora do estudo. Por outro lado, os mamíferos selvagens transportados para longe de seu habitat natural também são uma parte importante do problema. Os javalis, de origem europeia, são bem conhecidos por se multiplicar nas regiões Sul e Sudeste, mas o estudo revelou que o grupo de animais com maior número de espécies na lista de intrusos (cerca de 20) são os primatas, o que inclui diversos tipos de saguis. “Os pequenos primatas são introduzidos pelo mercado de pets, no qual os animais são tirados de seus ambientes, vendidos em outro local e muitas vezes acabam sendo soltos por seus compradores, justamente por serem animais silvestres e não ficarem bonitinhos no colo da pessoa”, explica a ecóloga. Por outro lado, também há casos pontuais em que órgãos públicos fazem a captura dos primatas que aparecem em áreas urbanas e acabam soltando os bichos em qualquer área natural, sem checar se a espécie é mesmo nativa. Em ambos os casos, a presença das espécies invasoras desencadeia uma série de problemas porque, como elas não evoluíram em contato com os membros nativos daquele ambiente, é comum que eles não tenham predadores ou competidores naturais naquele local, além de carregarem em seu organismo micróbios contra os quais a fauna nativa não possui defesas. Esses fatores podem levar à sua multiplicação descontrolada ali, com efeitos profundos tanto sobre a fauna quanto sobre as plantas da nova região que ocuparam. “No fim, está tudo interligado”, diz a pesquisadora. “Normalmente, o mamífero exótico invasor dispersa a planta exótica invasora, que tem grande potencial para alterar aquele ecossistema, e esse mesmo mamífero também traz vírus e bactérias invasoras.” Na América Latina, esses processos têm se desenrolado desde o fim do século 15, quando começou o contato entre os ecossistemas do continente e os animais e plantas trazidos pelos europeus. No novo levantamento, os pesquisadores também empregaram registros históricos que recuam até o ano de 1574, embora a maioria dos dados seja bem mais recente, das últimas três décadas até o presente. Outras regiões do mundo, como a Nova Zelândia e a Austrália, também sofrem problemas sérios com esses processos. No território neozelandês, por exemplo, todos os mamíferos, sem exceção, são exóticos. Já a Europa sofre com a superpopulação de espécies introduzidas para fomentar a caça e que, saindo do controle, atazanam os produtores rurais. “A diferença é que eles investem minimamente no manejo de espécies invasoras, enquanto nós negligenciamos muito esse problema. Tirando o caso de algumas espécies pontuais com as quais teremos de aprender a conviver e podemos controlar, como javalis e lebres, a maioria das invasões pode ser resolvida, inclusive com a erradicação de algumas espécies”, diz Rosa.