RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A proposta de adiamento do Censo Demográfico para remanejar recursos do orçamento de 2021 gerou críticas entre funcionários do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Para eles, a medida representaria desperdício de recursos já aplicados no planejamento da pesquisa e levaria a um apagão estatístico. A ideia vem sendo debatida no governo como uma alternativa para ampliar o orçamento outras pastas, especialmente a Defesa. O censo seria realizado este ano, mas foi adiado para 2021 por causa da pandemia, que impediria as visitas de pesquisadores aos cerca de 72 milhões de domicílios brasileiros. Maior pesquisa realizada pelo IBGE, o censo envolve entrevistas em todos os municípios do país, para traçar um retrato da população em temas como renda, educação, saúde e migrações, entre outros. É realizado a cada dez anos e seus resultados são usados na formulação de políticas públicas pelas diversas esferas de governo. “Do ponto de vista do próprio discurso do governo, o adiamento é uma contradição, pois representará um desperdício de recursos já aplicados em equipamentos e recursos humanos”, disse, em nota, a Assibge (sindicato que representa os funcionários do instituto). A entidade exemplifica que novo adiamento pode gerar a necessidade de atualização do cadastro de endereços a serem pesquisados, que foi concluída em 2019. Cita ainda a desmobilização das equipes já treinadas. “Os contratos dos analistas censitários encerram justamente em 2022 e não haverá pessoal suficiente para etapas de crítica, apuração e tabulação.” Os resultados da pesquisa definem ainda critérios de distribuição de recursos do FPM (Fundo de participação dos Municípios). Para a Assibge, o adiamento manterá, por um prazo maior, essa distribuição sendo feita sobre uma base de informações desatualizada. “O censo continua sendo a única base de dados capaz de fornecer informações municipais e intramunicipais abrangentes”, diz a nota. Outras pesquisas do IBGE, como a Pnad Contínua, que mede o desemprego, são feitas por amostragem e não cobrem todas as cidades brasileiras. A ex-presidente do IBGE Wasmália Bivar, que esteve à frente do instituto na divulgação de resultados do último censo, ressalta que os dados da pesquisa ajudam a fazer a projeção do crescimento populacional de cada cidade brasileira nos anos seguintes, o que define a distribuição dos recursos. “Num país em que registros administrativos [como dados de cartório, por exemplo] têm grau de precariedade elevado, saber exatamente qual a propulação de cada localidade é fundamental”, diz ela, citando ainda que a pesquisa traz informações importantes sobre a saúde dos brasileiros, por exemplo. “Sem os dados do censo, o governo vai dirigir às cegas.” Mudanças feitas no planejamento da pesquisa após o início do governo Bolsonaro abriram uma crise entre a área técnica do IBGE e a presidente do instituto, Susana Cordeiro Guerra, que foi nomeada em 2019 pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Ao assumir, Guerra determinou um corte de 25% no orçamento inicial, de R$ 3,4 bilhões, o que levou à redução do questionário, com retirada de perguntas sobre renda, aluguel, emigração e posse de bens. O questionário básico, aplicado a 90% dos domicílios, ficou com 26 questões, oito a menos do que o de 2010. O completo foi reduzido de 112 para 76 perguntas. A insatisfação com a condução das mudanças levou cinco gestores da área de pesquisas do IBGE a pedir renúncia de seus cargos. Ex-presidentes do IBGE assinaram um manifesto defendendo a preservação da pesquisa. O orçamento de 2021 prevê aproximadamente R$ 2 bilhões para a conclusão da pesquisa. A maior parte do valor refere-se à contratação de cerca de 200 mil trabalhadores temporários para coletar os dados. O concurso para a contratação foi aberto em março, mas foi suspenso após o início da pandemia