SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pressionado por uma onda crescente de protestos e vaiado por manifestantes durante visita a uma fábrica em Minsk nesta segunda-feira (17), o líder autocrata da Belarus, Aleksandr Lukachenko, indicou que está disposto a compartilhar o poder com outras lideranças políticas, mas afirmou que não haverá novas eleições no país “até que ele seja morto”. De acordo com a Belta, agência estatal de notícias, o bielorrusso anunciou que poderia entregar o poder após a realização de um referendo sobre possíveis mudanças na Constituição do país. Essas mudanças já estariam em andamento, diz Lukachenko, mas não acontecerão sob pressão dos manifestantes. “Faremos as mudanças em um referendo e entregarei meus poderes constitucionais. Mas não sob pressão ou por causa das ruas”, disse ele durante discurso a trabalhadores em greve de uma das grandes fábricas estatais que são o orgulho de seu modelo econômico de estilo soviético e base de apoio central. Em um novo sinal de sua crescente vulnerabilidade, ele foi recebido por vaias e gritos de “vá embora” e “mentiroso”. O transporte foi feito de helicóptero, por questões de segurança. Milhares de manifestantes marcharam até o local para pedir sua renúncia, principal demanda dos atos que levaram outras centenas de milhares às ruas da capital bielorrussa durante a última semana. O aparente recuo de Lukachenko veio depois de um discurso abalado, mas ainda em tom de desafio a manifestantes e opositores. Vocês estão falando sobre eleições injustas e querem realizar eleições justas, disse o autocrata à multidão, que gritou sim! em resposta. Minha resposta para vocês é: nós já realizamos eleições e, até que eu seja morto, não haverá nenhuma outra eleição. O líder é acusado de fraude no pleito presidencial de 9 de agosto. O contestado resultado das urnas aponta vitória de Lukachenko com pouco mais de 80% dos votos, abrindo caminho para seu sexto mandato à frente do país, depois de 24 anos no poder. A oferta de Lukachenko de um referendo constitucional é vista como uma tentativa de aplacar os protestos contra seu governo. Autoridades bielorrussas também deram sinais de recuo, ordenando a libertação de mais de 2.000 das 6.700 pessoas presas durante as manifestações. Neste domingo (16), pelo menos 100 mil pessoas foram às ruas da Belarus. Em contraste à tensão dos atos menores reprimidos violentamente durante a semana, a polícia não interveio. “Sim, eu não sou um santo. Vocês conhecem meu lado cruel. Você sabem que, se não fosse meu lado cruel, não haveria país”, disse Lukachenko à multidão na fábrica em Minsk. Visivelmente irritado, afirmou que tinha dito “tudo o que gostaria de dizer” e provocou os manifestantes. “Agora vocês podem gritar ‘vá embora'”, disse, ao deixar o púlpito improvisado em um enorme trator, sob uma nova onda de vaias e palavras de ordem pedindo sua renúncia. Funcionários da fábrica disseram à agência de notícias AFP que o número de trabalhadores em greve já alcançou os milhares. “Planejamos participar de todas as greves pacíficas e ações de protesto para que o governo finalmente perceba que está enfrentando seu próprio povo”, disse a funcionária Ilia Rybkine, 30. A aparente ponderação do autocrata ao propor uma redução de seus poderes veio depois que Svetlana Tikhanovskaia, principal candidata da oposição, disse que estava disposta a liderar o país. “Estou pronta para assumir a responsabilidade e agir como líder nacional durante este período”, disse Svetlana, em um vídeo gravado da Lituânia, onde está exilada desde a última terça-feira (11). A opositora afirmou que é essencial aproveitar ao máximo o ímpeto gerado pela semana de protestos e pediu a criação de um mecanismo legal que garanta a realização de uma nova e justa eleição presidencial. Svetlana também se dirigiu aos policiais e pediu que as forças de segurança do país “trocassem de lado” no governo de Lukachenko, dizendo que seu comportamento seria perdoado se o fizessem agora. “O mundo assistiu com horror à violência usada pelas autoridades bielorrussas para reprimir os protestos pacíficos que se seguiram a esta eleição presidencial fraudulenta”, disse o secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab. Também no domingo, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse que Moscou está pronta para ajudar a Belarus de acordo com um pacto militar, se necessário, e que o país estava sendo alvo de pressão externa. O líder bielorrusso rejeitou os pedidos por novas eleições no país e acusou a Otan o bloco militar liderado pelos Estados Unidos de estar se concentrando na fronteira oeste com Polônia e Lituânia. Nesta segunda, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que seu governo está observando de perto a “terrível situação” na Belarus. No sábado (15), o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, viajou a Varsóvia para um encontro com autoridades polonesas, durante uma turnê pela Europa Central. Pompeo afirmou que os EUA estão discutindo a crise com a União Europeia para “tentar ajudar o povo bielorrusso a conquistar soberania e liberdade”. Na próxima quarta-feira (19), líderes dos 27 países-membros da UE participarão de uma videoconferência para discutir os acontecimentos na Belarus. “O povo da Belarus tem o direito de decidir sobre seu futuro e eleger livremente seu líder”, disse Charles Michel, presidente do Conselho Europeu que reúne os governos nacionais da UE, ao anunciar a cúpula virtual de emergência. O bloco iniciou um processo de imposição de sanções a funcionários bielorrussos responsabilizados por fraudes eleitorais e por repressão aos protestos que se seguiram à contestada vitória de Lukachenko nas eleições. Os líderes europeus pretendem discutir outras formas de apoio à Belarus. Ideias iniciais incluem a criação de um fundo para vítimas de repressão, financiamento de projetos para apoiar o pluralismo da mídia, melhorias no intercâmbio de estudantes com a UE e acesso ao mercado de trabalho do bloco para os trabalhadores bielorrussos. RÚSSIA INTENSIFICA EXERCÍCIOS MILITARES Enquanto oferta apoio militar ao governo de Minsk, a Rússia enviou mais sinais ao Ocidente durante a crise da Belarus. Neste fim de semana, houve um exercício militar de simulação de intrusão aérea no território de Kaliningrado, um encrave russo entre a Polônia e a Lituânia que foi tomado da Alemanha ao fim da Segunda Guerra Mundial. A região é altamente militarizada, e a defesa no exercício envolveu os sofisticados sistemas antiaéreos S-400. Ao mesmo tempo, nesta segunda Moscou anunciou novos exercícios na região, que fica na linha de frente de qualquer conflito potencial com a Otan (aliança militar ocidental). Cerca de 20 aeronaves e 400 militares da Frota do Báltico farão exercícios de bombardeamento e busca de inimigos. No sábado (15), houve mais uma interceptação de avião espião americano sobre o mar Báltico. Um caça Su-27 acompanhou uma aeronave RC-135 até ele se afastar do espaço aéreo de Kaliningrado, num incidente que tem sido praticamente semanal neste ano.