SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aos 20 anos de idade, atrapalhado por uma lesão no joelho que não o deixava jogar, um jovem e promissor zagueiro chamado Julian Nagelsmann precisou colocar um ponto final em sua curta carreira. O alemão atuava pelo time B do Augsburg e, diante da frustração, estava decidido a se afastar do futebol. Foi então que recebeu o convite do treinador da equipe, Thomas Tuchel, para que trabalhasse em sua comissão técnica analisando os rivais. O próprio Tuchel, também por problemas no joelho, precisou se aposentar aos 25 anos após passagens por clubes da segunda e terceira divisões da Alemanha. A necessidade de encerrar precocemente a trajetória como atleta parece ter servido de combustível aos dois para que, fora das quatro linhas, conseguissem o sucesso não alcançado dentro de campo. Doze anos depois daquele convite para trabalharem juntos, ambos se reencontram em uma semifinal de Champions League. Nesta terça (18), o Paris Saint-Germain de Tuchel, 46, enfrenta o RB Leipzig de Nageslmann, 33, em Lisboa. O duelo acontece às 16h (de Brasília), com transmissão da TNT. Técnico do Bayern de Munique, Hansi Flick completa o trio de alemães que dominam a semifinal do torneio. Rudy Garcia, comandante francês do Lyon, é o intruso no meio dos germânicos. Os times se enfrentam na quarta (19). Flick, assim como os dois compatriotas, também não teve uma carreira de elite no futebol. Meio-campista de jogo agressivo, defendeu o Bayern na década de 1980, mas não era um jogador de encher os olhos. A acensão de treinadores alemães que não foram grandes craques, especialmente Tuchel e Nageslmann, tem a ver com o sucesso de outro alemão que mostrou, na prática, como não fazia falta ter sido um virtuoso em campo para se tornar um bom técnico. Atual campeão europeu com o Liverpool, Jürgen Klopp foi um atacante transformado em zagueiro que construiu uma carreira apenas medíocre na segunda divisão do país, atuando com a camisa do Mainz 05 de 1990 a 2001. Quando pendurou as chuteiras, foi convidado pela diretoria do Mainz a assumir o comando técnico do time principal. Rapidamente, mostrou capacidade para liderar grupos e aplicar no dia a dia o conhecimento que adquiriu na universidade (cursou Ciências do Esporte), aliado à experiência como jogador. Mas seu trabalho em um clube modesto ainda não chamava a atenção dos alemães. Para isso, Klopp precisou ir à TV. Comentou pela emissora ZDF a Copa das Confederações de 2005 e a Copa do Mundo de 2006, dominando uma ferramenta que, na época, era novidade: um painel interativo no qual ele poderia desenhar e trabalhar com as imagens dos jogos. Seu sucesso na TV, somado à experiência exitosa com o Mainz, levando o clube à primeira divisão, ajudou a mudar a percepção sobre o conhecimento do futebol na Alemanha. “Klopp abriu portas para que treinadores ainda mais desconhecidos tivessem sucesso na Bundesliga. Nomes como Tuchel e Nageslmann perceberam que suas limitadas habilidades práticas não eram necessariamente um obstáculo para progredirem. Os clubes também se sentiram encorajados a ignorar a experiência prévia futebolística prévia”, escreveu Raphael Honigstein no livro “Klopp”, publicado no Brasil pela editora Grande Área. Quando Klopp deixou o Borussia Dortmund após conquistar um bicampeonato com o clube, a diretoria foi buscar Tuchel, que vinha justamente de um bom trabalho no Mainz 05, trajetória semelhante à de seu antecessor. O atual técnico do PSG não tem o mesmo carisma de Klopp, mas é tão ou mais aplicado no trabalho do dia a dia, incorporando conhecimentos de outras áreas e esportes, como salto em altura e tênis, para desenvolver as qualidades de seus atletas. A partir do convite de Tuchel, em 2008, Nagelsmann iniciou sua trajetória meteórica. Em 2010, foi contratado pelo Hoffenheim para trabalhar nas categorias de base. A diretoria tinha planos a médio e longo prazo para ele, mas que acabaram acelerados pelas circunstâncias. Em 2016, diante de ameaça de rebaixamento, foi nomeado para a equipe principal com apenas 28 anos. A campanha de emergência mostrou resultado, e o clube se manteve na elite. Na temporada seguinte, levou o Hoffenheim à quarta colocação na Bundesliga, garantindo a primeira classificação à Champions League na história do clube. Seu sucesso com a equipe chamou a atenção do RB Leipzig, clube nascido em 2009 que conta com o aporte financeiro da Red Bull, a empresa austríaca de bebidas energéticas. A aposta no técnico seguiu o mesmo padrão adotado para contratações de atletas: jovens com vontade de se desenvolver. Nagelsmann é um entusiasta do treino, momento que considera até mais divertido e prazeroso do que o jogo, justamente pela oportunidade de melhorar seus jogadores. Quando chegou, em junho de 2019, o técnico recebeu o cargo de Ralf Rangnick, que cedeu o comando do time para assumir a posição de diretor esportivo da Red Bull, que controla clubes espalhados pelo mundo, inclusive o Bragantino. Rangnick foi técnico do Hoffenheim na década passada e um dos pioneiros do uso de análise de vídeo na Alemanha, além de mentor do “gegenpressing”, a tática de sufocar seu rival ainda no campo de ataque na busca por recuperar a bola, em poucos segundos, próximo do gol adversário. Um aspecto tático que pautou a concepção de futebol de Klopp -muito influenciado por Rangnick no início de sua carreira- principalmente quando comandou o Borussia Dortmund, e que Nagelsmann também prega em seu RB Leipzig. Como se uma linha sucessória pudesse ser desenhada, Rangnick foi o precursor do que Klopp viria a desenvolver com maestria em seus clubes, e seu sucesso permitiu a outros ex-atletas medíocres a chance de mostrarem, com conhecimento, que podiam fazer suas equipes jogar bom futebol. A vez é dos alemães na Champions League.