RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Ministério Público Federal decidiu nesta segunda-feira (17) impedir o arquivamento do inquérito eleitoral aberto há mais de dois anos contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Ele é investigado sob a suspeita de falsidade ideológica eleitoral, por ter omitido bens e atribuído valores distintos a um mesmo imóvel em declarações de bens entregues à Justiça Eleitoral em 2014 e 2016. A 2ª Câmara Criminal de Revisão do MPF discordou da posição do Ministério Público do Rio de Janeiro de que não havia elementos que indicassem o cometimento de crime eleitoral pelo senador. O caso foi enviado ao colegiado por determinação do juiz Flávio Itabaiana, responsável pelo inquérito na Justiça Eleitoral. O inquérito eleitoral foi aberto em fevereiro de 2018 após denúncia-crime do advogado Eliezer Gomes da Silva com base em reportagem do jornal Folha de S.Paulo de janeiro daquele ano. O jornal apontou a evolução patrimonial de Jair Bolsonaro e de seus filhos políticos Carlos (vereador), Eduardo (deputado federal) e Flávio (à época, deputado estadual). Em 2014, quando disputou uma cadeira na Assembleia do Rio, ele atribuiu o valor de R$ 565 mil a uma cobertura em Laranjeiras. Dois anos depois, ela apareceu em sua declaração de bens valendo R$ 423 mil. Documentos da transação mostram que o valor total do imóvel é de R$ 1,7 milhão, adquirido por Flávio e a mulher, Fernanda, donos cada um de uma metade do imóvel. Eles financiaram a compra da cobertura. O valor apresentado em 2014 se refere ao total pago pelo casal até dezembro de 2013, último exercício fiscal antes do ano eleitoral. Já em 2016, Flávio incluiu em sua declaração eleitoral apenas à sua metade paga em parcelas pelo imóvel até o final de 2015. De acordo com Valdir Amorim, consultor tributário da IOB, a forma correta de se declarar imóveis financiados no Imposto de Renda é apontar como valor apenas as parcelas pagas -indicando o preço total na descrição. O especialista comentou de forma geral, sem saber do caso específico. Ele disse também que o imóvel pode ser declarado por apenas um dos cônjuges, desde que o outro informe este fato em seus documentos fiscais. Cada um também pode declarar metade das parcelas pagas. Amorim afirmou ainda que o casal pode alterar a forma de declaração do bem. Inicialmente em apenas um informa ao Fisco e, depois, dividindo o valor entre os cônjuges. Os procuradores da 2ª Câmara avaliaram, contudo, que faltam diligências a serem feitas a fim de verificar a eventual omissão de outros bens do senador. “Esses casos em que não apresenta todos os bens, é para não mostrar todo o seu patrimônio. Meu voto é pelo prosseguimento da persecução penal”, afirmou Paulo Eduardo Bueno, relator do caso. Os tribunais eleitorais têm decidido pelo trancamento de ações penais que versam sobre erros nas declarações de bens. Magistrados têm considerado que não há potencial lesivo em casos como o de Flávio. Esse inquérito eleitoral teve, ao longo de dois anos, tramitação acidentada. Como a Folha de S.Paulo revelou em fevereiro de 2019, o procurador regional eleitoral Sidney Madruga quis encerrar a investigação sem realizar nenhuma diligência. O arquivamento pedido por Madruga foi vetado pela mesma 2ª Câmara, que determinou uma avaliação mais rigorosa do caso. Foi quando o caso foi enviado para a PF. Em seu relatório final, o delegado Erick Blatt declarou não ter visto sinais de crime eleitoral, bem como de lavagem de dinheiro na compra e venda do imóvel. A conclusão foi feita sem a quebra de sigilo do senador pela PF. O promotor eleitoral Alexandre Themístocles chegou a pedir apoio do Gaecc (Grupo de Atuação Especial de Combate à Corrupção), grupo que já investiga o senador pela prática da “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, para analisar o caso. Semanas depois, avalizou o arquivamento. O juiz Itabaiana submeteu o arquivamento à Câmara do MPF. Na primeira fase da apuração, quando solicitou em abril a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador, o Gaecc levantou suspeitas sobre a valorização obtida pelo imóvel seis anos após a compra. Adquirido em 2011 por R$ 1,7 milhão parcelados, ele foi vendido por R$ 2,4 milhões seis anos depois. A venda do imóvel foi usada como explicação por Flávio para a aparição de seu nome num relatório do Coaf. O órgão federal considerou atípicos 48 depósitos de R$ 2.000 em dinheiro feitos na conta do senador num intervalo de um mês. O filho do presidente disse que ele depositou em sua conta valores recebidos em dinheiro como parte do pagamento pela venda do imóvel em Laranjeiras. O comprador do imóvel confirmou ter quitado parte da transação em espécie. Dados da quebra de sigilo bancário da mulher do senador mostram que um depósito de R$ 25 mil em dinheiro vivo feito por Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro da “rachadinha”, ajudou o casal a pagar a primeira parcela da cobertura.