SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A falta de coordenação das autoridades e uma sucessão de erros cometidos pelo governo federal foram os principais responsáveis pela multiplicação das mortes causadas pela Covid-19 no país, diz um grupo acadêmico que monitora as ações de enfrentamento da pandemia do coronavírus. Na avaliação dos pesquisadores, o governo sabotou medidas adotadas por prefeituras e governos estaduais para proteger a população na quarentena e foi incapaz de articular uma estratégia para realização de testes em massa, que permitiriam isolar pessoas infectadas e controlar a transmissão do vírus. Cinco meses depois do início da pandemia, o ritmo de contágio continua acelerado na maioria dos estados, mas vários começaram a afrouxar as medidas de distanciamento social. O Brasil conta mais de mil mortes por dia em média desde maio e superou no início deste mês a marca de 100 mil vítimas da Covid-19. “A falta de estratégia e a inércia do governo federal são alarmantes, depois de tudo que aprendemos com a experiência de países mais bem sucedidos no combate à pandemia”, afirma a cientista política Lorena Barberia, da Universidade de São Paulo, uma das coordenadoras do grupo de pesquisadores. Cálculos do grupo, que é ligado à Rede de Pesquisa Solidária, mostram que o Brasil alcançou na primeira semana de agosto uma taxa de 468 mortes por 1 milhão de habitantes, superada apenas pela dos Estados Unidos, que tem o maior número absoluto de mortes e taxa de 487 por 1 milhão de habitantes. Ao contabilizar apenas mortes recentes, registradas na primeira semana do mês, os pesquisadores encontraram um sinal da aceleração do ritmo de contágio no Brasil, que atingiu taxa de 33 novas mortes por 1 milhão de habitantes, superando a marca dos EUA no mesmo período, de 24 novas mortes. Países como a Alemanha e o Canadá, onde a transmissão do coronavírus teve início antes do Brasil e parece ter sido controlada, as taxas de mortes e casos de infecção são muito inferiores. Mesmo na Argentina, onde a Covid-19 chegou depois, o número de mortes tem sido proporcionalmente menor. Dados compilados pelos pesquisadores mostram também que os outros países investiram mais do que o Brasil na realização de testes. O grupo calcula que o país tenha realizado 13 testes por mil habitantes até o início de agosto, menos do que na Argentina e uma fração do que os países mais ricos fizeram. Não há consenso entre os especialistas sobre o número de testes necessários para controlar a propagação do vírus, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os países só relaxem medidas de distanciamento social quando os exames indicarem que há segurança para deixar a quarentena. Segundo a OMS, é necessário que os testes alcancem uma taxa de 5% de resultados positivos e ela se mantenha nesse nível durante pelo menos duas semanas. Os pesquisadores calculam que o Brasil tinha taxa de 33% no início de agosto, superior à dos EUA (8%), mas inferior à da Argentina (44%). “Temos um grande número de pessoas infectadas circulando nas ruas, sem que realizemos testes na escala que seria necessária para identificá-las e rastrear outras pessoas que podem ter sido contaminadas”, diz Barberia. “Significa que o governo não faz o que é preciso para proteger a população.” Embora o governo tenha distribuído milhões de testes para os estados no início da pandemia, não houve critério para sua distribuição nem uma estratégia para a realização dos exames, dizem os pesquisadores. Também há falhas na divulgação de informações sobre os testes realizados e os resultados obtidos. A maioria dos testes distribuídos pelo governo federal é do tipo sorológico, exames rápidos que permitem saber se uma pessoa teve contato com o coronavírus em algum momento. Testes do tipo molecular são mais eficazes para detectar a presença do vírus nos estágios em que ele é mais ativo. Levantamento feito pelos pesquisadores mostra também que o governo federal demorou para tomar medidas de caráter preventivo que poderiam ter contribuído para conter a transmissão do coronavírus desde o início da pandemia, deixando a população mais exposta aos riscos de contágio e morte. O Ministério da Saúde destinou recursos para ampliar o horário de funcionamento das unidades de atenção primária do sistema de saúde somente em abril. Procedimentos para o registro de internações de casos suspeitos e notificação dos resultados dos testes ao ministério foram definidos tardiamente. Medidas baixadas pelo presidente Jair Bolsonaro minaram as políticas dos governos estaduais na quarentena, contrariando recomendações da OMS, ampliando a lista de atividades econômicas consideradas essenciais pela legislação e até reduzindo a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção. “Estados e municípios não têm como controlar a pandemia isoladamente, mesmo adotando políticas responsáveis”, diz Tatiane Moraes de Souza, da Fundação Oswaldo Cruz, ligada ao Ministério da Saúde. “Há ações que são atribuição do governo federal, e sua omissão tem custo alto em vidas perdidas.” A Rede de Pesquisa Solidária reúne dezenas de pesquisadores de instituições públicas e privadas, como a USP, o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e a Fundação Getulio Vargas (FGV). Desde abril, eles têm produzido boletins semanais, que estão disponíveis no site da iniciativa.