SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil tem uma carga tributária que nos permitiria ter um nível de bem-estar social semelhante ao de países europeus. Poderia também manter o nível atual de bem-estar reduzindo em quase um terço a cobrança de tributos, desde que tivesse uma eficiência maior no uso dos recursos arrecadados. Essas conclusões fazem parte do livro “Contas Públicas no Brasil”, organizado por Felipe Salto e Josué Pellegrini, ambos da IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão do Senado. “O Estado brasileiro, com o nível de arrecadação de hoje, em torno de 33% do PIB [Produto Interno Bruto], deveria prover um bem-estar médio muito mais alto do que efetivamente entrega. Ou a gente deveria ter uma carga dez pontos percentuais menor para entregar o nível de bem-estar que a gente constata nos nossos dados”, afirmou o economista Bráulio Borges, autor de um dos capítulos do livro, durante evento de lançamento da publicação, nesta sexta (14). Outro capítulo, escrito por Guilherme Ceccatto e Pedro Jucá Maciel, ambos do Tesouro Nacional, mostra que o Brasil apresenta carga tributária semelhante à do Reino Unido, mas tem uma capacidade de reduzir a desigualdade inicial de renda que é a metade da verificada no país europeu. “Entre os motivos estão uma carga tributária regressiva, baixa focalização das políticas sociais para a população mais pobre e, principalmente, elevadas transferências para a parcela mais rica da população”, afirma Ceccatto. Segundo ele, no Brasil, os 10% mais ricos são beneficiados com 20% das transferências públicas, como aposentadorias e pensões. No Reino Unido, os 10% recebem 2,3% das transferências. Os números mostram também que o Brasil foi bem-sucedido ao criar uma rede de proteção para os mais velhos: apenas 7,7% dos idosos recebe menos que 50% da renda média da população, ante 13,5% na média da OCDE. Em relação às crianças, a OCDE mantém o mesmo percentual. No Brasil, porém, um terço das famílias com menores de idade possui renda per capita inferior a 50% da média. “Quais as políticas capazes de reduzir a pobreza e a desigualdade inicial de renda no Brasil? É unânime que é o Bolsa Família, enquanto os [programas] mais regressivos e concentrados de renda são justamente as aposentadorias e pensões especiais. Se a gente conseguisse realocar nossas políticas sociais, para assistência, saúde e educação, conseguiríamos reduzir essa desigualdade inicial de renda”, afirma Ceccatto. Pedro Jucá Maciel, subsecretário de Planejamento Estratégico da Política Fiscal do Tesouro, diz que um dos desafios no país é implementar o “spending review” (revisão de gastos), dado o nível de engessamento do Orçamento federal. “O ‘spending review’ no Brasil se torna muito limitado quando você tem um grande pedaço do Orçamento já definido por lei”, diz o secretário. Esse ponto também é abordado pela economista Rebeca Regina Regatieri. “A gente está muito atrasado em reação às melhores práticas de avaliação de políticas públicas. Precisamos desenhar os incentivos para que isso aconteça”. Ela afirma que os países que conseguiram avançar na melhora do gasto público fizeram o arranjo institucional para que o Executivo e o Legislativo possam ampliar recursos para as políticas que funcionam e reduzir para as que não funcionam. No Brasil, no entanto, essa distribuição é pré-definida por leis que não têm amparo em estudos técnicos sobre a eficiência dessas despesas. O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, que também é um dos autores da publicação, afirma que a situação das contas públicas é o principal problema do Brasil na atualidade, principalmente diante dos desafios colocados pela necessidade de mais gastos diante da atual pandemia. “Se discute a necessidade de se ter um programa novo de transferência de renda, uma política de mais investimentos, mas o conjunto da obra muitas vezes não cabe na restrição orçamentária. É papel do Executivo apresentar qual vai ser o norte para a política fiscal nos próximos anos nesse contexto de dívida tão elevada. Nosso livro contribui para essa discussão”, afirma Salto. “O Brasil não é a Alemanha, não é o Japão. Caminhar para 100% de dívida é brincar com fogo. A Selic de 2% não é para sempre. O Estado vai precisar ser mais presente e ao mesmo tempo mais eficiente. Será necessário reavaliar políticas públicas e rever gastos.”