SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Se liga! 80% dos seus colegas acreditam no ensino médio para se dar bem no futuro.” Com medo do aumento do abandono escolar após a pandemia, os governos de São Paulo e Goiás fizeram convênio com uma empresa que usa inteligência artificial para induzir comportamentos, com mensagens como essa a mais de 2,5 milhões de alunos e suas famílias. Com as aulas presenciais suspensas desde março, uma das principais preocupações das redes públicas de ensino é que os alunos não retornem para as escolas. Ainda que as atividades letivas estejam mantidas de forma remota, o controle da frequência de acesso dos estudantes tem sido um desafio. Pelos telefones das famílias cadastrados nos sistemas das secretarias de educação, a empresa dispara mensagens de incentivo e também perguntas para entender se os alunos estão acompanhando as atividades, se estão desmotivados e se pretendem retornar à escola. “As redes estão fazendo um esforço enorme para manter as atividades a distância, mas não conseguem que todos os alunos acompanhem e nem saber por qual motivo. Se é por falta de recursos para acessá-las, falta de interesse ou porque precisou começar a trabalhar. É um trabalho massivo que os professores e as escolas não conseguem fazer individualmente”, explicou Guilherme Lichand, presidente da Movva, startup responsável pelo envio das mensagens. A empresa utiliza nudgebots, inteligência artificial aplicada à economia comportamental. A estratégia parte da análise de dados para criar e enviar mensagens para induzir comportamentos positivos, como cuidados com a saúde, prevenção de inadimplência e engajamento educacional. Pelo perfil das respostas recebidas, o sistema da Movva traça uma estratégia para engajar os alunos, seja com dicas de estudo ou com motivos para que não deixe a escola. Em Goiás, o disparo das mensagens teve início em junho para 12 mil dos 18 mil alunos matriculados em unidades de ensino médio com tempo integral. Em um mês, a empresa verificou que, entre os alunos que recebiam as mensagens, 13,5% afirmou não pensar em voltar à escola após a retomada das aulas presenciais. Entre os que não receberam, o número era de 24%. Fátima Gavioli, secretária de Educação de Goiás, disse que a evasão escolar é um problema histórico no estado e havia um trabalho intenso para reduzi-la, mas, com a pandemia, as ações antes desenvolvidas foram dificultadas. “Aqui em Goiás há uma cultura entre os jovens de começar a trabalhar muito cedo. Se ele receber R$ 200, R$ 300 em um subemprego, ele prefere sair da escola. Antes, se o menino faltava dois dias seguidos, a gente ia atrás para entender o que aconteceu. Agora, perdemos essa referência”, contou. Por mais que os professores estejam desde março tentando manter contato com os alunos, o acompanhamento nem sempre é possível e na frequência necessária. Segundo Gavioli, 7% dos alunos da rede não fizeram nenhuma atividade remota e não responderam a nenhuma das tentativas de contato dos educadores. É esse o grupo considerado com maior risco para abandonar os estudos. “Os professores estão muito empenhados e sendo super criativos para manter esse contato, mas nem sempre é possível. As mensagens tiveram efeito porque são SMS, chegam todos os dias aos alunos, não precisa de internet para receber. E o aluno sente que ele é importante para a escola, que nos importamos com ele”, disse a secretária. Os dados dos alunos que afirmam não ter intenção de retomar os estudos ou que não respondem às mensagens são enviados à secretaria para que haja uma ação específica a esse grupo. “Esses estudantes serão os primeiros que vamos atrás e teremos uma atenção especial na volta às aulas”, disse Gavioli. Em São Paulo, o envio das mensagens começa em 15 dias para 2,5 milhões de alunos, com financiamento pela Fundação Lemann. Apesar de a rede ter 3,6 milhões de matrículas, não há o contato telefônico de todos. Segundo Lichand, o aplicativo, disponibilizado pela secretaria paulista para as aulas online, foi baixado por quase 2 milhões de alunos e tem cerca de 1,7 milhão de acessos por dia. “É um número alto considerando que foi uma ação emergencial para manter as atividades, mas ainda assim metade dos alunos não acessa diariamente. Nosso objetivo é aumentar o engajamento”. A tecnologia para o envio de mensagens é articulada ao sistema que acompanha o acesso dos alunos na plataforma, por isso, segundo Lichand, será possível identificar preventivamente os alunos com maior risco de evasão. “Se o aluno acessou o sistema e ainda assim diz que não pretende voltar à escola, mandamos mensagem de incentivo e com argumentos para convencê-lo a continuar estudando”, disse. Thiago Cardoso, coordenador de Tecnologia e Informação da Seduc (Secretaria de Educação de São Paulo), com as respostas, ou ausência delas, a pasta vai identificar os alunos com mais probabilidade de evasão para uma ação focalizada. “Essas informações serão repassadas para as escolas para que façam a busca desses alunos, entendam os motivos de não quererem voltar às aulas.” Questionada, a Seduc não informou se tem um monitoramento de quantos alunos não fizeram nenhuma atividade remota e com os quais não conseguiu comunicação durante a pandemia.