BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A queda de dois secretários de Paulo Guedes (Economia) responsáveis por pilares centrais da pauta do ministro foi interpretada por membros da área econômica como um baque na agenda liberal do governo. A avaliação é que o principal problema, que deve se intensificar com o tempo, é a reeleição presidencial. Na manhã desta quarta-feira (12), após a debandada dos secretários, o presidente pediu a ministros militares que propostas que desagradem ao chefe da Economia sejam congeladas temporariamente. O Plano Pró-Brasil, por exemplo, que deveria ser lançado em setembro, agora deve ficar para 2021. Segundo relatos feitos à reportagem, o presidente também pediu que seja interrompida a investida de ministros como Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) ao TCU (Tribunal de Contas da União) em busca de uma brecha no teto de gastos para a inauguração de obras federais. Na noite desta quarta, ao lado dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), Bolsonaro afirmou, no Palácio da Alvorada, que respeita o teto de gastos. A regra limita os gastos à inflação do ano anterior. Segundo assessores presidenciais, na avaliação de Bolsonaro, uma agenda de inaugurações é essencial para aumentar as chances de uma reeleição, mas agora é o momento de pisar no freio para evitar uma saída de Guedes. Em conversa reservada, o presidente expressou preocupação com um pedido de demissão de Guedes, um de seus fiadores no governo. Bolsonaro lembrou que parcela do apoio ao governo do setor empresarial é vinculada diretamente à permanência do ministro. Para evitar desagradar a Guedes, segundo ministros palacianos, o Ministério da Defesa também deve postergar proposta de reestruturação da Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais) e da Imbel (Indústria de Material Bélico). O ministro Fernando Azevedo vinha tentando, em conversas com Guedes, garantir mais recursos orçamentários para projetos estratégicos do Exército e da Aeronáutica. A pressão também vinha sendo feita por militares palacianos. Além de Marinho e Tarcísio, Guedes tinha divergido também de integrantes da cúpula militar, como os ministros Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Para integrantes do núcleo fardado, a política fiscal do ministro tem atrapalhado o desenvolvimento estrutural do país e ameaçado uma reeleição do presidente. No passado, ministros militares chegaram até mesmo a defender a separação de Planejamento da Economia, em esforço para conseguirem um novo canal de diálogo para negociações orçamentárias A ideia, no entanto, foi refutada por Bolsonaro, para evitar uma saída prematura de Guedes do governo. Auxiliares de Guedes afirmam que a necessidade de Bolsonaro buscar capital político para ser bem-sucedido nas eleições de 2022 já traz problemas na condução da economia e atrapalha a pauta liberal. A agenda defendida por Guedes desde o início do governo toca em temas politicamente sensíveis e vai contra interesses que geram vantagens eleitorais, como a ampliação de gastos e o reforço nos investimentos em obras públicas, por exemplo. Em seu discurso de posse, Guedes elencou as privatizações como o segundo principal pilar de sua gestão, depois da reforma da Previdência. Um ano e meio depois, essa agenda não avançou e culminou com o pedido de demissão de Salim Mattar da secretaria que cuida das desestatizações. A reforma administrativa, que busca um enxugamento dos gastos com o funcionalismo público, também foi citada como prioridade por Guedes em sua posse. Na terça-feira (12), no entanto, o secretário Paulo Uebel, responsável pela proposta, também pediu demissão após meses de tentativas de apresentar o texto. Auxiliares afirmam que dificuldades impostas pelo Congresso ou pressões das alas política e militar são problemas menores quando se comparam à necessidade de construir uma agenda que viabilize a reeleição do presidente. Nesta semana, a Folha de S. Paulo mostrou que Bolsonaro já começou a implementar um projeto de longo prazo para aumentar as chances de ser reeleito. O plano inclui inaugurações de obras, medidas de impacto social e articulações em torno de uma chapa eleitoral. Diante da preocupação do presidente com as perspectivas eleitorais e o peso das corporações em Brasília, membros do Ministério da Economia consideram que as privatizações seguirão com grandes dificuldades até o fim do governo. A principal meta de Guedes, vender a participação do governo na Eletrobras, está longe de avançar. Com o atuante lobby de servidores públicos, a reforma administrativa também é vista como uma proposta de difícil concretização. Com parte de sua agenda enfraquecida, Guedes diz não abrir mão da política de austeridade e controle dos gastos públicos no pós-pandemia. Técnicos que participam da elaboração do Orçamento afirmam que as pressões de ministérios por aumento de gastos estão muito piores do que em anos anteriores. Em declaração que foi interpretada como um recado a Bolsonaro, o ministro afirmou na terça que tentativas de furar a regra do teto de gastos levarão o presidente a “uma zona sombria, uma zona de impeachment”. Apesar das dificuldades, pessoas próximas a Guedes afirmam que ele segue firme no cargo. A equipe do ministro confia na aprovação de mudanças estruturais, como novos marcos legais para investimentos privados e a reforma tributária. Entre auxiliares do ministro, a avaliação é que Guedes segue como fiador da pauta econômica e que a credibilidade do governo poderia ruir se ele deixasse o cargo. Na parte do governo que defende a expansão dos gastos públicos, entende-se que a debandada reforça a influência do Ministério da Economia, ao menos por enquanto, no Planalto. AGENDA LIBERAL DE GUEDES EM XEQUE – Privatizações Embora tenha se desfeito de participações do governo em empresas privadas, a gestão Bolsonaro não conseguiu fazer a agenda de privatizações andar, e a venda de estatais está travada. Nem mesmo a perda de controle da Eletrobras, em negociação desde o governo anterior, saiu do papel – Reforma administrativa Citada por Guedes como prioridade de sua gestão, a proposta de reforma do serviço público foi engavetada com o aval do presidente Jair Bolsonaro. A medida estudada prevê o fim da estabilidade no cargo, redução de salários de entrada, diminuição do número de carreiras e avaliação de desempenho – Reforma tributária Embora o Congresso discuta propostas de reestruturação do sistema de cobranças de impostos do país há mais de um ano, o governo entrou oficialmente no debate apenas no mês passado, ao apresentar proposta que se limita a unificar PIS e Cofins. O restante do plano, com desoneração da folha de salários, reforma do Imposto de Renda e criação de um tributos sobre pagamentos, ainda não foi apresentado – Reforma do Estado e do Orçamento No chamado Plano Mais Brasil, Guedes defende a retirada de amarras do Orçamento, a adoção de medidas de ajuste fiscal e uma ampliação de poderes dos governos regionais, com aumento de repasses a estados e municípios. Três propostas que tratam do tema foram enviadas ao Congresso em 2019, mas seguem travadas no Congresso – Abertura econômica Integração do Brasil no mercado internacional não avançou de forma acelerada. Conforme as próprias palavras de Guedes, a abertura será gradual. O Brasil fechou acordo comercial com a União Europeia, mas países do bloco mostram resistência em ratificar a decisão – Mudanças em regras trabalhistas e sindicais Governo quer reduzir a tributação sobre a contratação de mão de obra e cortar encargos trabalhistas fora do Orçamento, como FGTS e contribuição ao sistema S. Outra frente atua na flexibilização de normas trabalhistas (NRs) e também em uma reforma sindical. A maior parte do plano ainda não saiu do papel