BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Num novo estágio dos protestos contra a reeleição do líder da Belarus, Alexandr Lukachenko, foi divulgada nesta quinta-feira (13) a primeira renúncia de um membro de sua administração. Artyom Proskalovich, vice-chefe do Departamento de Legislação nas Esferas Policiais e Militares do Departamento Jurídico do Estado Principal, deixou o cargo em protesto contra a repressão violenta do governo a manifestantes que ocupam as ruas desde a noite de domingo (9). Em quatro noites, duas mortes foram confirmadas e há mais de 250 hospitalizados. Cerca de 7.000 pessoas foram presas segundo o governo, mas não há informações precisas. Centenas de familiares esperam em frente a centros de detenção, cercados por tropas de choque. No quinto dia de manifestações, mulheres voltaram a protestar, vestidas de branco e com flores nas mãos, fazendo correntes de protesto ao longo de ruas e avenidas da cidade. Motoristas buzinaram em apoio. Flores também foram usadas na manifestação dos embaixadores da União Europeia em Minsk, que, unidos, foram até o local em que ocorreu uma das mortes -segundo o governo, provocada pelo próprio manifestante, quando explodiu em suas mãos um objeto que ele tentava atirar contra a polícia. A renúncia de um único vice-chefe pode parecer irrelevante quando comparada a dezenas de milhares de bielorrussos nas ruas de cidades em todo o país, mas seu significado é importante, diz Sergej Sumlenny, chefe do escritório para Ucrânia e Belarus do centro de estudos Fundação Heinrich Boell. Segundo ele, a defecção de pessoas do entorno de Lukachenko pode ser o ponto de virada sobre o seu destino. “Ficará praticamente impossível governar um país enfrentando a resistência de 80% da população”, diz Sumlenny, listando outros sinais de que há mais que grupos dispersos de “jovens desocupados”, como afirmou o autocrata sobre os protestos. “Pela primeira vez na história bielorrussa, o movimento atingiu todas as cidades, não só as maiores, e todas as camadas sociais, inclusive as consideradas espinha dorsal de Lukachenko, como os operários das indústrias pesadas estatais.” Nesta quinta, fizeram greves ou protestos por eleições justas funcionários de grandes empresas, como Belaz (de veículos e maquinários gigantes, para mineração, por exemplo), Grodno Azot (maior fabricante de fertilizantes do país), Zhabinka (usina de açúcar), Integral (circuitos eletrônicos) e na Usina Eletrotécnica de Kozlov -as duas últimas voltaram ao trabalho. Ao menos sete âncoras de TVs estatais também pediram demissão em protesto contra a violência policial. “Não são apenas estrelas da TV. São alguns dos profissionais mais bem pagos do regime e pessoas que têm algo a perder. A atitude coloca o futuro deles em risco, pois não há emissoras ou empresas independentes onde possam trabalhar se o presidente mantiver o poder”, diz Sumlenny. Outra manifestação de número restrito mas forte impacto foi a carta aberta de 300 empresários de tecnologia da informação, que pediram novas eleições e a libertação dos presos políticos. “Não somos especialistas em política, mas somos em negócios de tecnologia. As startups não nascem em uma atmosfera de medo e violência. Num futuro próximo, começaremos a observar uma saída maciça de especialistas para o exterior, a abertura de escritórios em países vizinhos e uma diminuição nas receitas de impostos”, escrevem eles. O setor é importante para o governo bielorrusso porque é um dos grandes exportadores de serviço -o que traz moeda forte para uma economia debilitada, com recentes desvalorizações do dinheiro local. “São pessoas diferentes em diferentes lugares, unidos por um só sentimento: o ódio a Lukachenko”, diz o analista. É por isso, segundo ele, que os protestos não dão sinais de parar, mesmo sem liderança: “Não importa quem será o próximo presidente. A questão central é quem eles querem que saia”. A ausência de líderes também torna mais difícil a repressão aos opositores, já que não há uma ou um punhado de pessoas que, uma vez presos ou ameaçados, tirariam força das manifestações. Apesar disso, o autocrata da Belarus está disposto a usar mais violência, incluindo munição letal, como já ocorreu na cidade de Brest. Na avaliação de Sumlenny, Lukachenko se convenceu de que o que permitiu a revolução na vizinha Ucrânia foi que o governo demorou a usar força total. “O plano é ir com potência máxima contra quem estiver na frente, para assustá-los”, afirma. Como resultado, multiplicam-se relatos de moradores espancados por buzinarem ou apenas por estar de passagem, como o armênio Vartan Grigoryan, que nesta quinta mostrava aos fotojornalistas o olho esquerdo preto e inchado e uma marca roxa de cassetete nas costas. Solto depois de convencer a polícia de que não participava dos protestos, ele voltou ao centro de detenção para tentar recuperar documentos confiscados. Apesar de os sinais apontarem para disseminação, diversificação e aprofundamento dos protestos contra o governo, é muito difícil prever o resultado do movimento, afirma o analista da Fundação Heinrich Boell. “À Rússia interessa um Lukachenko fraco, mas eles estão prontos a intervir para evitar que um independentista assuma o poder”, diz. Nesta quinta, o governo de Vladimir Putin criticou “as tentativas vindas do exterior de desestabilizar a Belarus”. Não há nomes alternativos evidentes para substituir Lukachenko. O autocrata concentrou o poder na Belarus desde que foi eleito, em 1994, na primeira e última eleição considerada livre e justa no país. “A questão é menos ‘dar um match presidencial’ e mais encontrar alguém capaz de fazer o sistema se mover passo a passo rumo à democracia”, algo que Sumlenny diz não saber se é possível. “Mas, sem tirar Lukachenko, é 100% impossível”.