SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A solução para o fim da pandemia tem colocado milhares de cientistas em todo o mundo trabalhando diariamente para buscar uma vacina segura e eficaz contra o Sars-CoV-2. Até a semana passada, as vacinas em estágio mais avançado estavam ainda em fase 3, a última antes da aprovação, e uma única vacina, da farmacêutica CanSino, havia sido aprovada para uso limitado em militares do Exército chinês. Nesta terça-feira (11) o governo russo anunciou o primeiro registro mundial de uma vacina contra a Covid-19. Batizada de Sputnik V, a vacina produzida pelo Instituto Gamaleia havia sido motivo de desconfiança pela falta de dados sobre as fases 1 e 2 de estudos clínicos. O governo havia anunciado, no dia 1º de agosto, a produção a partir de setembro do imunizante, com o término dos ensaios clínicos previsto para agosto. Segundo o executivo do Fundo Russo de Investimento Direto, Kirill Dmitriev, a busca por medicamentos e vacinas contra o coronavírus na Rússia teve início desde o primeiro caso reportado no país. Ao mesmo tempo que registraram o fármaco, as autoridades russas lançaram um site, em uma tentativa de trazer mais transparência sobre o produto. Dmitriev afirma que a página é a primeira na internet sobre o desenvolvimento da imunização russa e procura trazer máxima transparência, a fim de prover aos especialistas e público em geral, tanto na Rússia quanto internacionalmente, detalhes sobre a produção, características e modo de ação da vacina”. As informações contidas no site, no entanto, carecem de revisões e pareceres de terceiros, sendo divulgadas pelo próprio governo, sem a publicação dos dados em revistas científicas prestigiadas. O governo russo pretende produzir 200 milhões de doses da Sputnik V até o final de 2020, sendo 30 milhões na Rússia somente. O investimento foi de U$54,4 milhões (R$ 21,6 bilhões). Há ainda informações sobre a condução de ensaios de fase 3 para testar a vacina no exterior. O Brasil figura na lista, ao lado de países como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Índia e Filipinas, além de acordos internacionais para fabricação do imunizante em larga escala. O Paraná foi o primeiro estado brasileiro a anunciar acordo com a Rússia para produção da vacina. Segundo Jorge Callado, presidente do Instituto de Tecnologia do Paraná, a previsão inicial é que a imunização esteja disponível no segundo semestre de 2021. A velocidade com que os ensaios clínicos foram feitos na Rússia, sem a divulgação de quantas pessoas foram testadas, e a certificação do produto menos de um mês após o término das fases 1 e 2 completados no dia 1º de agosto geram dúvidas sobre a eficácia e segurança da vacina. Se o desejo era repetir a corrida da Guerra Fria, quando a então União Soviética não divulgou dados sobre o lançamento do primeiro satélite a ser alçado ao espaço em 1957 (o Sputnik), a Rússia parece estar na frente da disputa. Dentre as demais vacinas atualmente em desenvolvimento contra o coronavírus, 28 estão em fase de testes em humanos; destas, 8 estão em fase 3, e 139 em estudos pré-clínicos (em animais), segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Uma dessas em estágio avançado foi produzida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca. Os testes de fase 3 no Brasil tiveram início no final de junho, com cerca de 2.000 profissionais de saúde voluntários (1.000 em São Paulo e 1.000 no Rio de Janeiro). Assim como a de Oxford, a vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech, em parceria com o Instituto Butantan, começou os testes da fase 3 no Brasil, no dia 21 de julho. O acordo entre as duas instituições prevê a transferência de tecnologia para o Butantan para produção nacional do fármaco em troca da realização da terceira fase de testes no país, que conta com 9.000 voluntários em 12 centros hospitalares, espalhados em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Brasília. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou ainda, no dia 20 de julho, o início dos testes de fase 3 da vacina produzida pela farmacêutica norte-americana Pfizer em conjunto com a empresa alemã BioNTech. O estudo, que ainda não começou, contará com a participação de 29 mil voluntários em todo o mundo desses, mil serão do Brasil, distribuídos entre São Paulo e Bahia. Conheça as vacinas que, em diferentes fases, já estão sendo testadas em humanos: AUTORIZADA PARA USO Instituto Gamaleia de Epidemiologia e Microbiologia/Fundo Russo de Investimento Direto – Sputnik V A vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleia, recebeu certificação para registro e produção no dia 11 de agosto. Segundo as autoridades russas, os cientistas do Gamaleia foram testados com o imunizante, além de voluntários, e todos tiveram resposta imune medida tanto por níveis de anticorpos no sangue quanto pela produção de células de defesa após a vacinação. Agora, o governo russo pretende iniciar a imunização no país, com a produção de pelo menos 30 milhões de doses até o final do ano e firmar acordos internacionais para desenvolvimento da fase 3 em diversos países. A Sputnik V usa dois adenovírus, o Ad26 e o Ad5, para produzir a resposta imune no organismo. Os adenovírus são vírus comuns de resfriado em chimpanzé (Ad26) e em humanos (Ad5) e são tradicionalmente utilizados para a produção de fármacos. Neles, insere-se um trecho do RNA do coronavírus, responsável por codificar a proteína S (de spike ou espícula, estrutura usada pelo vírus para se ligar às células do hospedeiro). Esse material genético do vírus, quando liberado na célula do paciente, induz a produção da proteína S, o que, por sua vez, provoca uma reação de defesa do organismo na forma de anticorpos anti-Sars-CoV-2. A vacina russa consiste em duas doses intramusculares aplicadas com 21 dias de distância. De acordo com os pesquisadores do Instituto Gamaleia, o uso de dois adenovírus como vetores é uma tecnologia única e foi resultado de uma engenharia genética avançada. CanSino Biologics Assim como a russa, a vacina desenvolvida pela empresa CanSino Biologics e pelo Instituto de Biotecnologia de Beijing também usa um adenovírus como vetor, o Ad5. Os dados da fase 2 randomizada, duplo-cego, com grupo controle foram divulgados na prestigiosa revista médica The Lancet, e apontaram para seroconversão dos participantes 28 dias após a imunização. Alguns efeitos colaterais foram reportados em uma parcela dos participantes, embora nenhum tenha sido sério. A empresa anunciou no último dia 9 o início da fase 3 na Arábia Saudita, ainda sem o número de participantes reportado. FASE 3 Universidade de Oxford/AstraZeneca ChAdOx1 nCoV-19 Assim como a Sputnik V e a vacina da CanSino, a vacina da Oxford também usa um adenovírus para levar o material genético do coronavírus para o interior das células e, consequentemente, induzir à produção de anticorpos de defesa. A diferença é que a Oxford desenvolveu seu próprio adenovírus a partir de um adenovírus de chimpanzés geneticamente modificado e enfraquecido o nome da vacina, ChAdOx1, é um acrônimo para “adenovírus de chimpanzé da Oxford 1”. A ideia novamente é expor o organismo humano à proteína S e, dessa forma, quando a pessoa entrar em contato com o vírus real, seu corpo já ter um sistema de defesa. Além de induzir a produção de anticorpos, a vacina da Oxford também mostrou bons resultados na indução de resposta imune celular os linfócitos T, que atuam para uma defesa mais duradoura. Também se mostrou eficaz em impedir pneumonia em macacos rhesus infectados pelo coronavírus e posteriormente imunizados. Sinovac CoronaVac A vacina da farmacêutica chinesa Sinovac é feita a partir de vírus inativados. A ideia é modificar o Sars-CoV-2 tornando-o não infectante. Os cientistas inserem o coronavírus em células Vero linhagem de células comumente utilizadas em culturas microbiológicas, sintetizadas a partir de células isoladas dos rins de uma espécie de macaco na década de 1960 e usadas até hojepara multiplicá-lo em laboratório. A partir daí, o vírus é inativado e incorporado à vacina. A produção é semelhante à utilizada na vacina da raiva. Segundo Luciana Leite, diretora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan, o instituto possui amplo conhecimento tecnológico para desenvolvimento de imunizantes desse tipo. Esse tipo de vacina, porém, necessita de grandes testes de segurança. A fase 3, que está em andamento no Brasil, deve seguir por ao menos seis meses. Resultados das fases 1/2 ainda não foram divulgados, embora a Sinovac afirme que aplicaram a vacina em 743 pessoas com idades de 18 a 59 anos e, após 14 dias, foi observada a presença de anticorpos em 90% das pessoas. A vacina produzida pela Sinovac necessita também de duas doses para imunização, o que deve representar um obstáculo logístico a mais para a fabricação no Butantan. O instituto pretende produzir 100 milhões de doses, o que seria suficiente para imunizar cerca de 50 milhões de brasileiros. Há ainda a possibilidade de que faltem agulhas para a aplicação de vacinas. Sinopharm e Wuhan Institute of Biological Products e também com Beijing Institute of Biological Products Vacinas produzidas na China que utilizam vírus inativados em busca da imunização. Após a conclusão das fases 1/2, ambos os institutos depositaram pedido para realizar a fase 3 randomizada, duplo-cega, e com grupo controle com 5.000 voluntários maiores de 18 anos na China. Moderna/Niaid A vacina da Moderna, desenvolvida em parceria entre o governo dos EUA, o Instituto de Pesquisa em Saúde Kaiser Permanente e a empresa de biotecnologia Moderna, foi a primeira testada em humanos. Ela utiliza em sua composição trechos de RNA material genético primo do DNA, porém com apenas uma fitado vírus que codificam a proteína S, garantindo assim proteção do organismo quando em contato com o vírus real. Embora a técnica seja relativamente segura, muito tem-se debatido sobre a eficácia da vacina, uma vez que nenhum imunizante comercializado hoje utiliza RNA. A empresa iniciou sua fase 3 no último dia 27 e deve contar com a participação de cerca de 30 mil adultos saudáveis que não tiveram contato com o Sars-CoV-2. Pfizer/BioNTech BNT162b1 e BNT162b2 As empresas anunciaram recentemente resultados positivos das fases combinadas 1/2 de sua pesquisa com vacinas. As vacinas em estudo são baseadas em RNA, que codifica um antígeno específico do novo coronavírus. O RNA é traduzido pelo organismo humano em proteínas que tentarão induzir uma resposta imunológica. A BioNTech afirmou que os testes de duas dosagens do BNT162b1 em 24 voluntários saudáveis mostraram que, após 28 dias, eles desenvolveram níveis altos de anticorpos anti-Sars-CoV-2 do que os normalmente observados em pessoas infectadas. Resta saber se esta resposta será duradoura. A Pfizer estuda atualmente quatro vacinas as aprovadas para teste no Brasil são as BNT162b1 e BNT162b2. A terceira fase pretende testar a segurança, eficácia e imunização de diferentes doses das duas vacinas. FASE 2 Anhui Zhifei Longcom Biopharmaceutical/Institute of Microbiology/Chinese Academy of Sciences Vacina baseada na aplicação direta de proteínas ou fragmentos delas. Institute of Medical Biology/Chinese Academy of Medical Sciences Vacina feita a partir de vírus inativados. Inovio Pharmaceuticals – INO-4800 A empresa norte-americana Inovio Pharmaceuticals produziu uma vacina de DNA a partir da sequência genética que codifica a proteína S. Para injetar a vacina na pele ou nos músculos dos voluntários, a empresa criou uma tecnologia que emite um breve pulso elétrico, facilitando a entrada do material genético nas células por meio da abertura de pequenos poros. A empresa aguarda o início das fases combinadas 2/3 em agosto. Osaka University/AnGes/Takara Bio – AG0301-Covid19 A farmacêutica AnGes, em parceria com a Universidade de Osaka, no Japão, desenvolveu uma vacina baseada em DNA mais uso de adjuvante. A fase combinada 1/2 pretende testar 30 voluntários maiores de 18 anos no país com duas doses do imunizante. Cadila Healthcare Limited A empresa indiana usa trechos de DNA para produção da proteína S e posterior reconhecimento, pelo corpo, de invasores. A fase combinada 1/2 para avaliar eficácia e segurança teve início em 31 de julho e está recrutando voluntários. Genexine Consortium GX-19 Vacina à base de DNA. A fase combinada 1/2 teve início em 17 de junho. Para a fase 1, a empresa sul-coreana recrutou 60 pessoas. Já a fase 2 deve ser randomizada, duplo-cega e com grupo controle e contar com a participação de 150 voluntários. Bharat Biotech – BBV152 A farmacêutica Indiana produziu uma vacina que usa o vírus inativado para tentar gerar resposta imune. A fase 1 teve início em 17 de julho e contará com 375 voluntários. Já a fase 2 irá avaliar a imunização e segurança em 750 participantes. Janssen Pharmaceutical Companies (Johnson & Johnson Company) A gigante Johnson & Johnson (J&J), por meio de seu braço farmacêutico, a Janssen, produziu uma vacina a partir do adenovírus 26, que causa gripe em chimpanzés. A conclusão da fase pré-clínica apontou para uma boa resposta imune e produção de anticorpos em primatas não humanos. A resposta imune foi mais eficiente na produção dos anticorpos chamados neutralizantes, que impediam a ligação da espícula do vírus às células, mas também houve resposta imune induzida por células de defesa. A fase combinada 1/2 será randomizada, duplo-cega e com grupo controle e deverá contar com 1.045 participantes. A empresa recebeu, em março, apoio para a produção de cerca de U$500 mil (R$2,7 milhões) do governo americano. Novavax NVX-CoV2373 Vacina baseada na aplicação direta de proteínas ou fragmentos delas. A fase 1, randomizada e com grupo de controle, começou em maio e apresentou os primeiros resultados em julho. Agora, para a fase 2, a empresa americana pretende recrutar 130 pessoas entre 18 e 59 anos em diversos países. Kentucky Bioprocessing Inc. – KBP-Covid-19 A empresa americana optou por fazer uma fase combinada 1/2 de testes de sua vacina baseada na aplicação direta de proteínas ou fragmentos delas. A fase 1 deve contar com 90 indivíduos com idade entre 18 e 49 anos e a fase 2 com também 90 indivíduos de idade entre 50 e 70 anos. Duke University/Arcturus ARCT-021 A empresa americana de biotecnologia em parceria com a faculdade de medicina da Universidade Duke, nos Estados Unidos, produziram uma vacina a partir do RNA do vírus. A ideia é fazer com que a sequência genética que codifica a proteína S do coronavírus seja levada pelo mensageiro e replicada no organismo, produzindo resposta imune. A fase combinada 1/2 pretende testar a segurança e eficácia do imunizante a partir de um estudo randomizado, duplo-cego, com grupo controle e ascendente composto de diferentes coortes que receberam doses distintas do fármaco. Na fase 1, os cientistas pretendem avaliar diferentes níveis de dose crescente administrados em uma única injeção em voluntários entre 21 e 55 anos. De acordo com a resposta imune celular obtida e a segurança de cada dose, os pesquisadores irão avaliar, na fase 2 do estudo, quais doses tiveram melhor resposta novamente em adultos de 21 a 55 anos e em até duas coortes de indivíduos mais velhos (56 a 80 anos). FASE 1 Clover Biopharmaceuticals Inc./GSK/Dynavax Vacina baseada na aplicação direta de proteínas ou fragmentos delas. Vaxine Pty Ltd./Medytox (Austrália) Vacina baseada na aplicação direta de proteínas ou fragmentos delas. Universidade de Queensland/CSL/Seqirus (Austrália) Vacina baseada na aplicação direta de proteínas ou fragmentos delas. Instituto Pasteur/Themis/Universidade de Pittsburg CVR/Merck Vacina feita a partir de vírus inativados. Imperial College London (Inglaterra) Vacina baseada em RNA. Curevac (Alemanha) Vacina baseada em RNA. Medicago Inc. (EUA) Vacina baseada em VLPs (partículas semelhantes a vírus), às quais seriam combinados antígenos, moléculas do coronavírus que possam ser reconhecidas pelo sistema imune. Espera-se que a combinação induza uma resposta imune robusta, mais próxima de uma infecção real. Peoples Liberation Army (PLA) Academy of Military Sciences/Walvax Biotech Vacina baseada em RNA. Medigen Vaccine Biologics Corporation/NIAID/Dynavax Vacina baseada na aplicação direta de proteínas ou fragmentos delas. Fonte: OMS (Organização Mundial da Saúde), com base na atualização do dia 10 de agosto.